20 de outubro de 2016

Telegramas de 1980: A guerra civil, a seca e o metical














A nova década fica marcada pela independência do Zimbabwe, a 18 de abril de 1980, pondo fim a um processo que envolveu Moçambique desde sempre.

Internacionalmente, registam-se aproximações de Maputo à diplomacia do novo governo conservador de Margaret Thatcher, a par do alinhamento de Maputo em relação a Moscovo e no contexto da invasão soviética do Afeganistão e do apoio ao Vietnam pelo derrube do regime de Pol Pol no Cambodja.

Internamente, pela consulta das centenas de telegramas da embaixada de Portugal, a Resistência Nacional Moçambicana (RNM), mais tarde RENAMO, está ativa, apesar da queda de Ian Smith e do regime de Salisbúria, e Joaquim Chissano admite que o país alberga estruturas do Congresso Nacional Africano mas que “não se pode dar ao luxo” de iniciar um conflito com Pretória.

1980 é o ano em que a falta de chuva faz agravar ainda mais a situação de carestia no país, obrigado a apelar a doadores.

A meio do ano e, em plena crise económica, Samora Machel anuncia a nova moeda, o metical, introduzida no dia em que se assinala mais um ano sobre o “Massacre de Mueda” durante a guerra contra os portugueses.

Janeiro

Moçambique e a geoestratégia mundial


As mudanças registadas no processo rodesiano não fazem alterar o papel de Maputo no contexto da África Austral, como se verifica pelos resultados da visita do norte-americano, Paul Tsongas, senador democrata pelo Estado de Massachussets.

“Paul Tsongas afirmou que a opinião no seio do senado americano em relação à Maputo tem evoluído ultimamente em virtude do reconhecimento do papel construtivo desempenhado por Maputo no contexto das iniciativas e negociações internacionais para a resolução do problema rodesiano, admitindo haver agora ambiente mais favorável para a melhoria das relações entre os Estados Unidos e Moçambique”, realça a embaixada de Portugal, no início de janeiro, sobre a visita do político norte-americano recebido pelo chefe de Estado, Samora Machel.

A 08 de janeiro, o embaixador de Portugal sublinha que a situação na Rodésia fez com que a imprensa local não tivesse dado “grande” relevo às notícias sobre a invasão soviética do Afeganistão.
Mesmo assim, “o tom dos artigos é como seria de prever, no sentido da justificação da intervenção de Moscovo, alegando que a presença das tropas soviéticas resultou do pedido, feito pelos novos dirigentes de Cabul, invocando o tratado de amizade e cooperação de 05 de dezembro de 1978”, escreve o embaixador.

A mesma transmissão refere também que têm sido publicadas algumas notícias sobre os protestos que se registam por todo o mundo junto das embaixadas da União Soviética, que, para o jornal Notícias da Beira, são gestos de “jovens corrompidos pelo islamismo”.

No mesmo aerograma, a embaixada indica que não foi feita qualquer referência sobre a posição de Portugal contra a intervenção no Afeganistão, tomada no contexto das Nações Unidas, e que “em todo o caso” Moçambique ainda não fez qualquer declaração, “nem sequer oficiosamente” através de artigos publicados nos “órgãos de comunicação social controlados pelo Estado”.

Um dia depois, o Notícias da Beira escreve “discretamente” que a Jamaica e a Zâmbia fazem parte do grupo de países que subscrevem o projeto de resolução que exige a retirada das tropas de Moscovo.

A 11 de janeiro, um aerograma “confidencial” dá conta das declarações de Samora Machel na cimeira dos países da linha da frente em que o presidente moçambicano elogia o governo de Londres a propósito do processo da Rodésia.

No discurso, de improviso, Machel manifestou “expressamente o seu respeito e o seu apreço pelo governo conservador britânico (liderado por Margaret Thatcher) por ter assumido responsabilidades em relação à colónia, ao contrário dos sucessivos governos trabalhistas”.

“Talvez demasiado preocupados em preservar uma imagem progressista (os trabalhistas) teriam fugido às suas responsabilidades”, afirmou Machel segundo o embaixador, acrescentando que o presidente moçambicano confessou abertamente “admiração” pela “senhora Thatcher”, pela “inteligência e coragem”.

Segundo o embaixador, “comentários em Maputo” deixam o presidente numa situação “algo embaraçosa” por causa dos elogios aos conservadores britânicos, apesar de Samora ter criticado a presença de tropas sul-africanas na Rodésia.

Finalmente, a 17 de janeiro começam a ser publicadas notícias sobre a posição de Maputo em relação à invasão soviética do Afeganistão.

O resumo de imprensa da embaixada chama a atenção de que os jornais reproduzem com grande destaque as declarações do representante de Moçambique junto das Nações Unidas durante a sessão de emergência da Assembleia Geral, em Nova Iorque.

“Parecem mostrar claramente que Maputo acabou por alinhar também, neste caso, com Moscovo”, escreve a embaixada de Portugal.

A 19 de janeiro, a embaixada de Portugal informa Lisboa que Moçambique criou uma nova companhia mista para o setor das pescas, sediada na Beira, com capital espanhol subscrito pela empresa Pescanova que já operava em águas territoriais sob regime de licença.

No mesmo dia, o telegrama n.º30/1980, dá relevo às posições de Samora Machel no quadro da “campanha de dinamização das estruturas do aparelho de Estado responsáveis pelo funcionamento de alguns setores chave da economia”.

Samora, em visita a várias empresas e infraestruturas de transportes do Estado, insiste pelo “engajamento de todos os moçambicanos na batalha contra o subdesenvolvimento” e “denuncia sem poupar palavras os males e os vícios que estariam na origem da inoperância da máquina burocrática estatal e nas falhas do aparelho de produção”.

“Em outra ocasião, Samora chegou mesmo a dizer que estavam a investigar as ‘bichas que abusivamente se diz por aí são por causa dos imperialistas quando os sabotadores estão entre nós’”, reproduz a embaixada portuguesa.


Fevereiro

A crise política com a África  do Sul


No início de fevereiro, a embaixada de Portugal nota, em contactos “com embaixadores”, as aparentes aproximações de Maputo em relação ao Ocidente sublinhando que apesar de todo o otimismo, sobretudo dos norte-americanos, Maputo mantém a linha política soviética.

“O embaixador dos Estados Unidos disse-me que desde a assinatura do acordo de Londres (sobre a Rodésia) que tem vindo a notar progressiva mudança do ambiente nos contactos com as autoridades de Moçambique, citando como exemplo o grande empenho manifestado por moçambicanos pela realização da visita do grupo de empresários norte-americanos organizada pela ‘International Business Coorporation”.

“Apesar de ventos de mudança que parecem estar agora estar aqui a soprar não se deverá esquecer que praticamente todas as unidades operacionais das Forças Armadas de Moçambique estão hoje enquadradas por oficiais soviéticos e cubanos e que a posição de Maputo assumida há dias sobre a questão do Afeganistão parece ser uma oportuna advertência contra prognósticos precipitados de uma iminente viragem política na esteira dos acontecimentos na Rodésia”, alerta o embaixador.

No dia 18 de fevereiro, começam a surgir as primeiras notícias sobre a segunda reunião da comissão ministerial preparatória da segunda cimeira de chefes de Estado da República Popular de Angola, República de Cabo Verde, República da Guiné Bissau, República Popular de Moçambique e da República Democrática de São Tomé e Príncipe.

Da agenda da reunião de Maputo, que se prolonga até 22 de fevereiro,fazem parte contactos entre os ministros e altos responsáveis do comércio externo, transportes e comunicações, banca e seguros.

Além destes domínios deverão ser discutidos, entre outros, os assuntos relacionados com as perspetivas de cooperação nas áreas da informação, cultura, educação e saúde.

No dia 22 de fevereiro, a embaixada transmite os dados sobre a reunião sublinhando que “dado o secretismo que, como é habitual, rodeou os trabalhos da conferência”, não foi possível obter mais informações, até ao momento.

Mesmo assim, o embaixador destaca do documento final que os cinco países deram particular “relevo” aos problemas da África Austral tendo reafirmado o apoio incondicional à Frente Patriótica do Zimbabwe, “único e legítimo representante do povo” do país.

A 23 de fevereiro, um telegrama “urgente” relata a Lisboa a “crise política” que se vem registando entre Moçambique e a África do Sul exposto ao embaixador pelo próprio ministro dos Negócios Estrageiros, Joaquim Chissano.

O chefe da diplomacia moçambicana rejeita “categoricamente” as acusações formuladas pelo governo sul-africano de que a República Popular de Moçambique alberga bases militares utilizadas por movimentos de oposição ao regime de Pretória ou que tenha servido de “ponto de partida” para ações militares contra a África do Sul.

“(Joaquim Chissano) acusa por sua vez as autoridades de Pretória de constantes violações do espaço aéreo e da fronteira de Moçambique além de denunciar grandes concentrações de tropas sul-africanas ao longo desta última e que teriam sido observadas nos últimos dias”, refere o telegrama nº 67/1980.

Chissano admite que Moçambique acolhe refugiados de diversos países acrescentando que se trata de uma prática internacional aceite pelas Nações Unidas, contestando que o acolhimento possa ser invocado para atribuir culpas aos moçambicanos sobre atos cometidos no interior da África do Sul.

A nota de Chissano, comunicada ao embaixador de Portugal, acusa Pretória de estar a “procurar deliberadamente uma situação de tensão entre os dois países” e que a África do Sul “busca pretextos para agredir países vizinhos” concluindo que o governo moçambicano se reserva ao direito de tomar as medidas que “julgar convenientes para defender a sua soberania e preservar a paz na África Austral”.

“Embora admitindo que o ANC (Congresso Nacional Africano) foi autorizado a abrir uma sede em Maputo e que alguns dirigentes dos movimentos da oposição ao regime de Pretória, recorrem à luta armada, garantiu-nos que não existem no território moçambicano quaisquer bases logísticas, de treino, ou mesmo de trânsito e instalações militares desses movimentos”, escreve o embaixador sobre as perguntas que colocou ao chefe da diplomacia moçambicana.

“A este propósito Chissano disse inclusivamente que as autoridades moçambicanas tinham explicado aos dirigentes desses movimentos que a República Popular de Moçambique não podia estar, neste momento, a dar-se ao luxo de ter um conflito com a África do Sul e que estes (movimentos) compreendiam perfeitamente essa posição”, acrescenta o texto da embaixada portuguesa.

O mesmo telegrama indica que, segundo Maputo, o regime de Pretória estaria a lançar uma “manobra” para preparar terreno para a intervenção sul-africana no Zimbabwe “na hipótese de resultados das próximas eleições rodesianas não serem do agrado” dos sul-africanos.

Paralelamente, o embaixador da Bélgica, residente em Lusaca, confidencia que “tinham chegado aos seus ouvidos” rumores de uma “discreta polémica” no seio do governo moçambicano entre os que defendiam a adesão de Moçambique à Convenção de Lomé, ou a negociações com a Comunidade Económica Europeia, e os que seriam partidários da entrada do país para o COMECOM, “a exemplo de Cuba e do Vietnam”.


Março

Diplomacia de Maputo passa por Londres 


A 10 de março, o ministro moçambicano dos Transportes e Comunicações, José Luís Cabaço, parte para Londres na qualidade de enviado especial do presidente Samora Machel.

Cabaço é acompanhado por Fernando Honwana, que chefiou a missão moçambicana de ligação com o governo britânico, em Salisbúria. De acordo com as informações recolhidas pela embaixada, é previsível que a delegação seja recebida por Margaret Thatcher.

Antes do fim do mês, Lord Soames, o último governador britânico da colónia da Rodésia do Sul, confirmaria as “boas relações” entre Londres e Maputo.

Segundo a embaixada de Portugal, todo o processo rodesiano “não pode deixar de ser visto como um triunfo diplomático para o regime de Maputo e um êxito pessoal para Samora Machel”.

De acordo com a embaixada, Londres manifesta apreço pela influência moderadora sobre alguns dirigentes da Frente Patriótica do Zimbabwe e de “outros países da linha da frente sobretudo desde a cimeira da Commonwealth que se realizou em 1979 e que “conduziu ao fim da guerra na Rodésia” tornando possível as soluções políticas “nos termos propostos pelo governo de Margaret Thatcher”.

A 22 de março, é anunciada uma “remodelação” governamental: são “demitidos” os ministros da Saúde, Hélder Martins; do Comércio Externo, Manuel dos Santos e o ministro das Obras Públicas e Habitação; João Batista Cosme.

A embaixada indica que era previsível que “iriam rolar algumas cabeças” mas que ainda não se compreendia o sentido político dos afastamentos.

Mesmo assim, o ministro da Saúde era apontado como a “primeira vítima” designada, em grande parte “segundo o comentário irónico do corpo diplomático” por ter tido “a pouca sorte de ser responsável pelo único setor “em que se pode dizer que o senhor Machel tem conhecimentos especializados, em resultado da sua formação profissional”.

Apesar dos afastamentos estarem a ser analisados, o telegrama da embaixada sublinha que a “direcção do partido parece ter reconhecido finalmente a necessidade de imolar alguns governantes como bodes expiatórios para aplacar o crescente descontentamento popular”.


Abril

Donald B. Easun, um americano contra ação da CIA 


Terminado em Maputo o segundo encontro de chefes de Estado das antigas colónias portuguesas é anunciada a assinatura do acordo geral de cooperação económica entre os cinco países nos domínios do comércio, transportes, finanças, banca e seguros.

A mensagem da embaixada, data de 01 de abril, realça, no entanto, que as relações entre os cinco países e Portugal é assunto que “não se vislumbra na declaração conjunta”.

“Não há também nenhuma frase que traduza o reconhecimento da existência de qualquer parcela activa na herança do passado colonial que represente património cultural comum, na base do qual possa alicerçar-se a identidade do grupo de países africanos ‘lusófonos’ – o que, aliás, não constitui surpresa”, indica a embaixada portuguesa em Maputo.

“O elo que une entre si os cinco países seria, assim, apenas a experiência histórica comum de opressão e exploração colonial e laços de solidariedade forjados na contra o então ‘inimigo comum’ – o ‘colonialismo português’”, acrescenta a transmissão concluindo que a próxima cimeira fica agendada para Guiné-Bissau em 1981.

Mesmo assim, nos discursos finais – e apesar do presidente Aristides Pereira, de Cabo Verde, propor a abertura do grupo dos cinco a outros Estados africanos – Samora Machel realça a importância da “correta utilização da língua portuguesa” que considera uma vantagem que deve ser “explorada sistematicamente”.

No dia 08 de abril, o Comité Político Permanente da Frelimo e a Presidência da República anunciam mudanças “na estrutura e composição dos organismos de cúpula do Estado”.

São assim criados três novos ministérios: Segurança, Transportes de Superfície e dos Correios e Telecomunicações e Aviação Civil. A composição governamental passa a contar também com a nova Secretaria de Estado das Aldeias Comunais.

O comunicado de Samora Machel descreve as “medidas de reorganização” como meios para garantir que o aparelho de Estado ao nível central e ao nível local assumam o papel de instrumento principal para a aplicação das políticas”.

Pelo seu lado, o documento divulgado pelo Comité Permanente da Frelimo apresenta o argumento de que “o reforço do papel dirigente do partido sobre o Estado e a sociedade constitui uma exigência inadiável da luta pela edificação do socialismo na República Popular de Moçambique”. Jacinto Veloso, Armando Guebuza e Sérgio Vieira são “promovidos” à categoria de ministros.

A embaixada nota a “nova situação de Marcelino dos Santos e Jorge Rebelo, desligados das tarefas da governação e que se retiram, por assim dizer do ‘olimpo’ do partido, a fim de se poderem dedicar inteiramente, segundo explicação oficial, a mais altas responsabilidades”.

Em meados de abril, o presidente do African American Institute, o norte-americano Donald B. Easun visita Moçambique onde se reúne com elementos do governo.

No país é realçado que Easun, quando desempenhou as funções de subsecretário de Estado para os Assuntos Africanos, opôs-se, “no que viria a ser secundado pelo Congresso, à intervenção da CIA (serviços de informações norte-americanos) em Angola, que seria preconizada pelo então secretário de Estado, Henry Kissinger.


Maio

Mais nacionalizações à vista


Um despacho conjunto dos ministros da Indústria e Energia e das Finanças determina a “reversão para o Estado das partes sociais e direitos delas emergentes” de várias empresas do setor das pescas: Impescal, Promor, Moma, Copesca, Emopesca, Camaroner, Arpem, Amil e Marterra.

São evocadas as “habituais” razões para casos deste género: prática de atos lesivos para a economia nacional e abandono por parte dos proprietários.

Em virtude do anúncio, o embaixador pede ao conselheiro comercial da embaixada que procure obter informações que permitam avaliar em que medida terão sido afetados interesses portugueses ligados às empresas em causa.

A 06 de maio, o ministro dos Negócios da República Popular da China, Huang Hua, visita Maputo, mas a imprensa trata a deslocação de forma discreta. Segundo a embaixada, Huang Hua visita Moçambique depois de se ter estado presente nas comemorações da proclamação de independência do Zimbabwe (18 de abril), mas existe também o propósito de “sondar as perspectivas de reaproximação entre Pequim e Maputo”.

A 21 de maio, o embaixador dos Estados Unidos revela ao embaixador de Portugal que é possível que Washington pode levantar em breve as restrições impostas pelo Congresso norte-americano que impediam a concessão de “Development Aid”.

Até ao momento, o governo dos Estados Unidos só estava autorizado a conceder “Ajuda Alimentar”, ao abrigo da lei que permite a utilização de uma parte dos excedentes de produtos agrícolas para auxiliar os países necessitados.

O embaixador norte-americano refere ainda que no mês de junho iria ter lugar uma conferência em Boston, “reunindo homens de negócios americanos e representantes dos governos africanos ‘lusófonos’”.

No final do mês de maio chegam à embaixada de Portugal informações sobre uma “grande batalha” na região de Espungabera entre as Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM) e “as forças da resistência”

Na transmissão “confidencial” lê-se que “contrariamente à expectativa inicial das autoridades moçambicanas, a atividade da ‘resistência’ tem continuado muito activa nas províncias de Manica e Sofala, mesmo depois de ter cessado, tanto quanto se sabe, o apoio recebido do exterior”.

Apesar do fim do apoio do regime de Ian Smith à ‘resistência’, o embaixador informa de que se fala de “centenas de mortos de ambos os lados e milhares de refugiados que teriam atravessado a fronteira e penetrado em território do Zimbabwe para fugir à zona dos combates”.

O mesmo aerograma dá conta de concentração de “milhares de tropas” governamentais em Manica e que os ‘Migs’ (aviões militares de fabrico soviético) que se encontravam em Nacala tinham sido transferidos para a cidade da Beira, “tendo sido vistos várias vezes a sobrevoar a cidade”.

“Tudo leva a crer que pode estar em curso uma ofensiva de grande envergadura para tentar ‘limpar’ as forças da ‘resistência’ baseadas em Espungabera e Gorongosa”, informa a embaixada que admite que Maputo pode vir a pedir ajuda militar ao novo Estado do Zimbabwe.


Junho

Nasce o metical, Cunhal visita Maputo


Após a primeira semana de junho chega ao fim a visita do ministro das Relações Exteriores do Brasil. A embaixada destaca os encontros entre o ministro brasileiro e a ministra da Educação Cultura, Graça Machel e com o chefe da diplomacia moçambicana, Joaquim Chissano, que formulou desejos no “estreitar das relações independentemente dos regimes políticos”.

Trata-se da primeira visita de um ministro de Estado brasileiro a Moçambique que destacou o aumento das relações comerciais desde 1978, ou seja, desde o momento que o governo de Brasília começou a conceder “certas facilidades de crédito”.

O telegrama da embaixada portuguesa sublinha que Moçambique importou desde essa altura mais de “cem milhões de dólares de equipamentos ferroviários, camiões, autocarros, tratores e diversos bens de consumo”.

“As empresas brasileiras estão a fazer estudos relacionados com projetos de obras de regadio e complexos agroindustriais nos vales do Limpopo e do Pungue e em outros pontos das províncias de Gaza e da Zambézia”, sublinha o aerograma.

A 16 de junho, é anunciada a criação da nova moeda denominada “metical” que entra “imediatamente” em circulação.

“O metical tem o mesmo valor que o antigo escudo moçambicano e apresenta-se sob a forma de notas e moedas. As notas têm o valor facial de mil, quinhentos, cem e cinquenta meticais. As moedas têm o valor facial de vinte, dez, cinco, dois e meio, um metical e ainda cinquenta centavos”, explica a embaixada de Portugal.

A embaixada acrescenta que a introdução da nova moeda já era esperada há muito tempo e sucede a uma outra medida económica “recentemente tomadas” como a proibição de as empresas manterem em caixa mais do que um pequeno montante de numerário e a obrigatoriedade de depositarem em contas bancárias todas as disponibilidades liquidas.

“No seu discurso, o presidente referiu-se expressamente ao nome da nova moeda que deriva da unidade monetária usada em parte do actual território de Moçambique ‘antes da conquista colonial’, pelo que a escolha deste nome seria ‘uma afirmação de dignidade histórica multissecular do povo moçambicano’ e, lembrou, por outro lado que a data escolhida para o lançamento da nova unidade monetária era a do ‘vigésimo aniversário do massacre colonialista de Mueda”, detalha o embaixador.

As notas de cem meticais reproduzem numa das faces a imagem do primeiro presidente da Frelimo, Eduardo Mondlane e as notas de mil meticais, a do presidente Samora Machel.

Dois dias depois chega a Maputo o secretário-geral do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal que anuncia visitas a “várias unidades de produção” além de conversações com dirigentes da Frelimo para o “aprofundamento das relações” já existentes entre os dois partidos.

No discurso que iniciou o encontro, Samora Machel afirma que o PCP e a Frelimo estão “em trincheiras diferentes”, mas que ambos defendem a mesma causa: “A erradicação de toda e qualquer forma de exploração, colonialismo ou imperialismo, pela construção do socialismo.”

“As declarações de Álvaro Cunhal reproduzidas na imprensa têm-se caracterizado, até agora, por extrema prudência, não descendo nunca do plano das generalidades”, sublinha a transmissão da embaixada sobre a visita do secretário-geral do PCP.

A 23 de junho, é recebido em Maputo pelo presidente Samora Machel o secretário-geral da Frente Polisário, Mohamed Abdelaziz que, durante a visita, acusa diretamente a África do Sul de fornecer material bélico “ao regime de Rabat” (Marrocos).

Antes do fim do mês, a embaixada dá conta da prolongada conferência constitutiva da Associação Moçambicana de Solidariedade para com os Povos (AMASP) que reuniu, entre outros, representantes da OLP, ANC, Frente Polisário, Fretilin e o ‘Comité de Apoio” da Suécia.

Segundo os estatutos, a nova organização propõe-se a “apoiar a luta de todos os povos contra o imperialismo, o colonialismo, o neocolonialismo, o fascismo, o racismo, o ‘apartheid’ e o sionismo, estando aberta à participação de todos os cidadãos moçambicanos com mais de 18 anos”.

De acordo com a informação da embaixada, a nova organização, “formalmente distinta do aparelho partidário”, vem proporcionar um “conveniente instrumento de ação política, através da qual poderá canalizar uma parte do apoio prestado aos movimentos de libertação, nomeadamente ao Congresso Nacional Africano (ANC) e à Swapo, da Namíbia, sobretudo nos casos em que, por razões óbvias, possa preferir não aparecer a fazê-lo directamente”.


Agosto

Seca e ajuda de emergência


Em telegrama “confidencial” enviado para o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa, o embaixador pede para que seja considerada a possibilidade de uma oferta de alimentos a Moçambique, a título de “ajuda de emergência” devido à situação “catastrófica” provocada pela seca.

“A situação é apresentada como extremamente grave e o Notícias de Maputo fala mesmo de ‘fome generalizada em muitas províncias do país’”, alerta Nunes de Carvalho.

“Em alguns distritos de Inhambane, a população refugiou-se nas florestas à procura de frutos silvestres e até estes já começariam a escassear, segundo o mesmo jornal. No decurso da operação de recenseamento geral da população recentemente concluído levantaram-se sérias dificuldades em algumas dessas regiões, justamente por as populações se terem dispersado pelo mato em busca de alimentos”, acrescenta a embaixada citando a imprensa de Maputo. A seca afeta sobretudo Inhambane e Manica.

Ainda em agosto, a embaixada dá conta da visita do “oficial na reserva, Otelo saraiva de Carvalho” noticiada pela imprensa da capital.

“Nas breves declarações que, segundo jornal, teria feito ao desembarcar, (Otelo Saraiva de Carvalho), limitou-se a dizer que quanto aos objectivos da visita, que ela se destina a ‘contactar velhos amigos’ e a ‘fortalecer amizades em Moçambique’”, transcreve a embaixada no dia 27 de agosto.


Setembro

Samora do outro lado da cortina de ferro” 


Samora Machel visita a Bulgária, a República Democrática da Alemanha e a Roménia. No decurso das viagens sobressaí “com clareza” a identidade de pontos de vista comuns sobre questões internacionais.

“Foram constantes as afirmações de apoio à SWAPO; condenação do regime do apartheid e apoio ao ANC; solidariedade para com a Organização de Libertação da Palestina (OLP) e inquietação face à instalação de novos mísseis da NATO na Europa”, entre outros assuntos. A embaixada destaca igualmente ao alinhamento de Maputo em relação à intervenção soviética no Afeganistão.

Quanto a resultados práticos, o embaixador escreve que os acordos de cooperação mais firmes foram assinados com a RDA.

Enquanto decorre a deslocação do chefe de Estado moçambicano aos países do Bloco de Leste, conhecem-se, a 05 de setembro, novos contornos sobre as relações comerciais entre Londres e Maputo. “Lord Jelice, ex-membro do governo britãnico e atualmente presidente da administração da empresa inglesa Tate and Lyle (produtora de maquinaria e equipamento para a indústria açucareira), tem estado em Moçambique a negociar com as autoridades a conclusão de diversos contratos, visando designadamente a recuperação daquele setor da economia moçambicana”, relata a embaixada de Portugal.

Segundo o telegrama enviado para Lisboa, “tudo leva a crer que a Sena Sugar Estates deverá ser a principal beneficiária do provável êxito, em que o industrial se mostrou confiante”. “Não será muito arriscado conjecturar que o empréstimo contraído recentemente em Londres pelo Banco de Moçambique, ao possibilitar o substrato de apoio financeiro à importação de produtos e tecnologias britânicas, não pode deixar de ter contribuído decisivamente para o arranque e concretização destas negociações”, considera a embaixada portuguesa.

Apesar das ligações com os satélites de Moscovo e o alinhamento político de Maputo que mantém todas as ligações com a União Soviética, a embaixada sublinha, em agosto, que se verifica um “incremento” das relações com a França, Inglaterra e Itália e que continuam a “chegar numerosos sinais” sobre o desenvolvimento da cooperação com Portugal.

“Este governo encontra-se empenhado numa ofensiva diplomática em várias frentes, com objetivo de obter auxílio económico onde quer que isso se mostre possível sem abdicar contudo das opções ideológicas no plano interno, e no plano externo, a fidelidade essencial ao ‘campo socialista’”, escreve o embaixador José Cutileiro em telegrama enviado para Portugal.

Para colmatar as dificuldades na agricultura, Maputo recebe ajuda da Suécia, da Jugoslávia, Hungria, das Nações Unidas e da Federação Luterana Mundial.

Neste contexto, a 19 de setembro, em telegrama “urgente e confidencial” ,a embaixada insiste que Portugal deve prestar ajuda a Moçambique “em géneros e bens”. “Julgo que donativo e oferta de auxílio técnico e empréstimo em condições excecionais constituiriam contribuição de vulto e ajudariam a recuperar o bom teor das relações”, alerta a embaixada.

No aerograma “confidencial” n.º 300/1980, a embaixada transmite informações sobre as cerimónias que assinalaram o início da luta armada da Frelimo e que ficam marcadas pela atribuição de patentes e promoções militares.

“O presidente foi nomeado marechal. As duas patentes imediatamente inferiores (general do Exército e coronel-general) não foram preenchidas e a seguir surgem três tenentes generais: Alberto Chipende, ministro da Defesa; Sebastião Mabote, Chefe do Estado-Maior e Armando Guebuza, comissário político nacional para as Forças Armadas”, escreve a embaixada.

“O elogio ao presidente foi feito por Guebuza ma as insígnias de marechal foram-lhe impostas por Marcelino dos Santos”, realça o embaixador.


Outubro

Presidente de Angola em Maputo ituação política


No início do mês, o presidente angolano, José Eduardo dos Santos, é recebido por Samora Machel na cidade da Beira.

Segundo a imprensa, os dois chefes de Estado discutiram assuntos relacionados com a África Austral.

A 16 de outubro, o embaixador de Portugal é recebido no MNE moçambicano para uma reunião sobre a proposta de ajuda humanitária que tinha sido apresentada por Lisboa.

“Na parte respeitante à assistência técnica com vista à recuperação de equipamento de captação de água, os moçambicanos pedem-nos que enviemos equipas técnicas (…) que iriam trabalhar no terreno durante seis meses nas diversas regiões mais atingidas pela seca: províncias de Gaza; Inhambane; Manica e Tete”, destaca o embaixador.


Novembro

Samora: e agora a União Soviética


Em transmissão “confidencial” datada de 04 de novembro, a embaixada informa Lisboa que Samora Machel deve visitar a União Soviética no dia 17 devendo regressar à capital moçambicana no dia 27, data do início da conferência de doadores, participada por vários países ocidentais.

“Para obter apoios de Leste parece ser preciso fazer as profissões de fé socialistas a que temos assistido”, escreve o embaixador Cutileiro acrescentando que para a embaixada soviética em Maputo, o país deveria aderir ao COMECON.

Segundo a embaixada, a União Soviética mostra sinais de preocupação em relação aos contactos de Maputo com países europeus e mesmo com os Estados Unidos, sendo que Samora vem insistindo na necessidade de investimento de Moscovo a nível regional.

“Tenho de boa fonte que presidente Machel disse há pouco a um estrangeiro amigo, de passagem em Maputo, que dos países de Leste não recebia um centavo, o que é coerente a exortação também recente que fez no mesmo sentido junto de Mugabe, no encontro de Quelimane, de que os ditos países deveriam investir mais na África Austral”, revela o embaixador sobre o estado das relações com Moscovo.

No dia da partida do presidente moçambicano para a URSS, a embaixada nota de que a vasta delegação não conta com a participação dos titulares da Defesa, “tendo em conta que é justamente no campo militar que a União Soviética tem vindo a concentrar os seus esforços em matéria de assistência e que é nesse campo que tem vindo a desempenhar um papel reconhecidamente importante”.

Ainda em novembro, e a propósito de um encontro com a diplomacia de Paris, Samora Machel afirma-se muito interessado na cooperação francesa e no incremento das relações económicas entre Moçambique e os países da Comunidade Económica Europeia (CEE).

No entanto, o chefe de Estado, de acordo com o conselheiro da embaixada de França, adverte que não está disposto a renunciar às convicções ideológicas ou posições políticas:

“Tanto internamente, como em matéria de política externa, os moçambicanos não tinham intenção de aderir à convenção de Lomé que não passava de ‘um arranjo de inspiração neocolonialista’ contrariamente ao COMECON ‘onde todos eram iguais’”, relata o embaixador após contactos com o diplomata francês.

“Os moçambicanos continuam assim, aparentemente, a acreditar que podem ter o melhor de ambos os mundos e os primeiros frutos já anunciados da conferência de Maputo (doadores), que está ainda a decorrer, parecem, até certo ponto, dar-lhes razão …” escreve o embaixador no telegrama “confidencial” nº 400/1980.

Antes do final do mês, o golpe de Estado na Guiné-Bissau, que derruba Luís Cabral, “surpreende” as autoridades de Maputo.


Dezembro

Golpe de estado na Guiné choca Samora


A 02 de dezembro, a embaixada de Portugal alerta Lisboa que a imprensa diária moçambicana anuncia a abertura do concurso internacional para a construção da “primeira fase de drenagem” da capital. O empreendimento é financiado pela Holanda.

A 03 de dezembro, Samora Machel está presente no encontro de chefes de Estado das antigas colónias portugueses em África, que decorre em Luanda, com “notória excepção” da Guiné-Bissau. Sobre o golpe de Estado em Bissau, a imprensa moçambicana reproduz as notícias publicadas em Cabo Verde destacando-se um texto com o título: “ A opinião internacional julgará os golpistas”.

A cimeira de Luanda decide enviar a Bissau uma delegação constituída pelos ministros dos Negócios Estrangeiros de Angola, Moçambique e S. Tomé e Príncipe.

“O golpe de Estado em Bissau chocou profundamente, ao que parece o chefe de Estado moçambicano, pelos laços pessoais e de amizade que ligam Samora Machel a Luis Cabral”, refere a embaixada.

“O encarregado de negócios de Inglaterra disse-me durante conversa que tivera com delegação do seu país que Machel interrompera, a certa altura, as sábias considerações de Neal Martin sobre o problema da ‘segurança alimentar’ das populações dos países da região e comentara ‘pensativamente’ que a falta de comida era o que tinha estado na origem da maioria dos golpes de Estado, nos últimos tempos, nesta parte do mundo”, relata o telegrama assinado por Nunes de Carvalho.

A 06 de dezembro, dois depois da tragédia de Camarate, o chefe de Estado moçambicano dirige-se à embaixada de Portugal para assinar o livro de condolências pela morte do primeiro-ministro português, Francisco Sá Carneiro e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa. “Ao povo português renovamos a expressão da nossa simpatia, neste momento de luto pelo falecimento trágico do primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro”. A declaração é assinada por Samora Moisés Machel.


Zimbabwe

O fim de Ian Smith 


O regime de Salisbúria liderado por Ian Smith desde 1965 chega definitivamente ao fim após a conclusão dos encontros de Londres que põem termo uma guerra que fez pelo menos 27 mil mortos.

Em 1980 regista-se o regresso definitivo dos políticos da oposição e dos movimentos de resistência à capital colónia britânica da Rodésia do Sul e a realização de eleições gerais no primeiro trimestre do ano dão à vitória à ZANU.

A independência é proclamada a 18 de abril, ao som de Bob Marley e as fronteiras com Moçambique são reabertas assim como é restabelecido o acesso aos portos marítimos moçambicanos. Robert Mugabe continua no poder.

Em janeiro de 1980, Robert Mugabe, em entrevista ao Notícias de Maputo refere-se à situação dos portugueses que vivem na Rodésia, caso venha a assumir o poder após a declaração da independência da colónia britânica.

Mugabe afirma que os portugueses podem continuar a viver no país após a independência, mantendo a nacionalidade ou optando pela do Zimbabwe “conquanto respeitem a soberania” do novo Estado.

“O Notícias destaca que Mugabe teria feito importante ressalva para os mercenários que têm estado a combater nas forças do general Peter Walls, bem como para os da DGS (Direção Geral de Segurança) e outros protegidos do senhor Jorge Jardim, os infiltrados da FUMO (Frente Unida de Moçambique) e de Domingos Arouca”, transcreve a embaixada no telegrama nº58/1980, do dia 28 de janeiro.

“Quanto a estes, senhor Mugabe teria deixado claro, segundo o jornal, ‘convite para deixarem o país, antes que a ZANU-Frente Patriótica forme o governo e seja obrigada a expulsá-los dado que representam uma ameaça para a jovem democracia e para as relações de boa vizinhança com os Estados vizinhos”, acrescenta o telegrama.

Anteriormente, a embaixada destacava a importância que Samora Machel referiu sobre o restabelecimento das ligações telefónicas, com a Rodésia do Sul, prevendo-se para breve novas ligações aéreas e o restabelecimento do caminho-de-ferro.

Paralelamente continuam as críticas de Maputo e da Frente Patriótica sobre a “presença de tropas sul-africanas na Rodésia”, em total desrespeito pelos acordos de Londres.

Finalmente, no final de janeiro de 1980, Robert Mugabe regressa a Salisbúria, a partir de Maputo, sendo recebido “por um milhão de pessoas” segundo a imprensa moçambicana.

“Foi muito comentado círculo diplomático de Maputo o facto de não ter comparecido no aeroporto, a despedir-se do senhor Mugabe, nenhum representante de países do bloco soviético, à exceção de Cuba que se fez representar por um funcionário da embaixada”, realça a embaixada de Portugal em telegrama transmitido no dia 01 de fevereiro.

No final do mês de fevereiro, aviões britânicos da Royal Air Force desembarcam em Maputo cerca de 300 soldados moçambicanos que, infiltrados em território rodesiano desde 1978 e que “ao lado dos guerrilheiros da Frente Patriótica” participaram em combates contra as forças do regime de Salisbúria.

A cerimónia é presidida pelo chefe de Estado e culminou com um desfile das tropas pelas ruas da capital moçambicana.

“A intervenção moçambicana no conflito rodesiano é explicada não apenas como um ato de legítima defesa em resposta às incursões do Exército de salisbúria no território de Moçambique, mas também como cumprimento do ‘dever internacionalista’ em solidariedade com ‘a luta de libertação do povo do Zimbabwe’”, sublinha o telegrama da embaixada de Portugal.

No dia 04 de março de 1980, às 10:00, através da embaixada britânica, os diplomatas portugueses transmitem os resultados provisórios das eleições na Rodésia:

A ZANU-FP de Robert Mugabe consegue eleger 57 lugares no parlamento; a Frente Patriótica de Joshua Nkomo, 20 lugares e a UANC de Abel Muzorewa, 03 deputados.

A 06 de março, Moçambique saúda a vitória da ZANU e em mensagem endereçada a Robert Mugabe, o chefe de Estado moçambicano relembra “o apoio governamental à luta armada do povo do Zimbabwe” e adverte para o perigo de “rutura da paz em toda a zona” caso se venha a concretizar “qualquer manobra” ou “ingerência exterior” que vise “por em causa a materialização da vontade do povo do Zimbabwe”.

A rádio Voz Africa Livre e as emissões da Voz da Qizumba são suspensas.

No final do mês de março o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS visita Moçambique sendo que as mudanças na Rodésia são ponto importante de análise entre os dois países.

O papel de Maputo no processo rodesiano é elogiado na imprensa e pela comunidade internacional, contrastando com as posições de Moscovo em relação à Frente Patriótica do Zimbabwe.

“Não parece muito arriscado especular acerca das intenções soviéticas de recorrer aos bons ofícios de Samora Machel para tentar recuperar o terreno perdido em resultado do desastrado erro de cálculo cometido por Moscovo no caso do Zimbabwe e da atitude distante adoptada no passado em relação a Mugabe”, analisa Nunes de Carvalho.

A 10 de abril, é divulgada a composição da delegação oficial moçambicana às celebrações de independência do Zimbabwe, presidida por Marcelino dos Santos.

No dia 18 de abril, é proclamada a independência do Zimbabwe, pondo termo ao estado de independência unilateral da colónia britânica decretada por Ian Smith, em 1965.

Na cerimónia oficial de independência, na capital, atua o músico de reggae jamaicano Bob Marley que tinha gravado o tema “Zimbabwe” em 1979 para o álbum “Survival”.

A guerra na Rodésia fez 27 mil mortos segundo números oficiais.

A 26 de maio, Mugabe visita pela primeira Moçambique na qualidade de primeiro-ministro do Zimbabwe.

Os transportes e telecomunicações entre os dois países são assuntos primordiais para os dois governantes que se referem igualmente à revitalização do oleoduto Beira/Umtali (Zimbabwe).

“Mugabe teria posto em relevo também estar já a ser utilizado o caminho-de-ferro da Beira para importações e exportações do Zimbabwe, dizendo que essa utilização deve ser ‘acelerada’ mas acrescentando que isso não implicaria a diminuição do uso de portos sul-africanos, tendo em conta o aumento previsível do tráfego de mercadorias”, sublinha a embaixada de Portugal.


Pedro Sousa Pereir, 2015-07-11
http://www.independenciaslusa.info/telegramas-1980/