24 de maio de 2015

25 Abril: Retornados são hoje "assunto da memória", diz sociólogo Rui Pena Pires



Os "retornados" que vieram de África para Portugal, após o 25 de Abril, não formaram "uma identidade coletiva" e são hoje "um assunto da memória", observa o sociólogo Rui Pena Pires.

A seguir à revolução de 1974, cerca de meio milhão de pessoas vieram para Portugal, dois terços de Angola e um terço de Moçambique e das outras ex-colónias, o que equivalia, na altura, a cinco por cento da população.

Foi "o maior" movimento demográfico, "em termos relativos", de todos os processos de descolonização e, portanto, teve "um impacto importante", assinalou Rui Pena Pires.

Porém, disse, o efeito foi-se "diluindo, à medida que os retornados foram sendo assimilados na população portuguesa".

Apesar da experiência comum, "tiveram uma existência muito efémera como entidade coletiva" e não se afirmaram em torno de "uma identidade própria", afirmou.

Claro que hoje ainda restam memórias de "experiências difíceis", mas "a esmagadora maioria dos retornados integrou-se individualmente, familiarmente, e desapareceu como entidade coletiva", destacou o sociólogo, referindo que os "retornados" são "um assunto da memória" e não estão na atualidade política e social.

"Não podemos falar de discriminação em função do estatuto de retornado, de uma política do retornado ou de pressão política", disse, embora reconhecendo que a população negra que, na mesma altura, veio para Portugal não esteja, na maioria, contabilizada no meio milhão, estimando-a em "cerca de 30 mil" pessoas.

O facto de não ter havido indemnizações foi "mau para os próprios" visados, mas "teve vantagens", porque "evitou a cristalização de uma identidade coletiva e a segmentação entre portugueses e retornados", assinalou.

Para a integração, contribuiu o facto de muitos dos "retornados" terem tido apoio familiar em Portugal. Dois terços tinham nascido na antiga metrópole e os restantes também não tiveram grandes dificuldades, "porque, na maioria, eram jovens" e "vieram com as famílias", referiu o especialista em sociologia das migrações, recordando que os apoios familiares foram "mais volumosos do que os apoios públicos".

Na altura, o "repatriamento" teve impacto tanto na demografia como nas qualificações, porque, ao contrário dos emigrantes que tinham ido para França ou Alemanha, os que saíram da metrópole para as colónias nos anos de 1950 e 1960 eram os portugueses "com mais qualificações à época", assinalou.

É isto que explica que hoje alguns desses "retornados" estejam no poder e em cargos de liderança.

"É a primeira vez que um primeiro-ministro é retornado", mas "houve sempre" retornados influentes na política, recordou o sociólogo, justificando que os "retornados eram mais qualificados, em média, do que a população portuguesa" e "estavam desproporcionalmente representados entre os quadros".

Rui Pena Pires cita alguns exemplos: em 1981, nove por cento da população portuguesa estudava no ensino superior, enquanto o dobro dos "retornados" o faziam, e apenas cinco por cento dos "retornados" eram analfabetos, quando quase um terço da população o era.

Estes "contrastes" explicam as "posições de destaque", disse.

O facto de o "repatriamento" ter acontecido "num período de convulsão da sociedade portuguesa, em que muita coisa estava a mudar", contribuiu também para a integração.

A chegada de meio milhão de pessoas vindas de África "não era a mudança, era uma mudança no meio de tantas outras", distinguiu. Como tudo estava a ser posto em causa, nomeadamente as hierarquias e lideranças, os "retornados" foram "a jogo" pelos lugares em aberto.

O envolvimento dos deslocados na construção da democracia "foi muito importante, porque permitiu que alguns dos entraves que podia haver à (...) expansão muito rápida do Estado social fossem ultrapassados", assinalou Rui Pena Pires, ele próprio "retornado" de Angola.

Os setores do ensino, da saúde e da comunicação social aproveitaram as qualificações dos deslocados, que "tiveram um papel fundamental no desenvolvimento dos aparelhos sociais do Estado", acrescentou.

Fonte: noticiasaominuto, 24 de Abril de 2014