7 de julho de 2013

Queda de Morsi é apenas um de muitos outros líderes que se seguirão


Advertências feitas há 20 anos

Queda de Morsí pode ser o cumprimento de uma "profecia" (AIM)

QUEDA DE MORSI É APENAS UM DE MUITOS OUTROS LÍDERES QUE SE SEGUIRÃO

Por Gustavo Mavie

Maputo, 07 Jul (AIM) - A remoção do poder do Presidente egípcio, Mohamed Morsi, que teve lugar na quarta-feira, provou mais uma vez, o carácter profético das repetidas advertências feitas há cerca de 20 anos por políticos visionários e outros doutos em questões económicas, de que o crescente empobrecimento dos Estados e dos povos, pela chamada globalização económica, iria arruinar as economias de muitos países, e destruir as respectivas democracias.

Um dos políticos visionários que fez esse alerta é Nelson Mandela, quando em 1995, disse que não há democracia com povos de famintos. Mandela foi mais longe, vincando que a segurança e estabilidade só eram possíveis com gente bem alimentada e com boa educação e assistência sanitária. Vincou que o bem-estar de poucos equivalia a insegurança de todos, porque quando a maioria se rebela, tudo vai por água abaixo.

Ora, desde a queda do antigo presidente, Hosni Mubarak, há um ano já, houve mais de um milhão de egípcios que engrossaram o exército dos tais famintos porque ficaram desempregados e elevou a percentagem destes para cerca de 14 por cento, o que é grave, porque o País tem mais de 80 milhões de habitantes.

Uma das provas que outorga validade desta asserção de Mandela é que na mesma data em que Morsi foi removido por vontade popular, com a ajuda dos militares, centenas de milhares de portugueses também saíram a rua exigindo a demissão imediata do Primeiro-ministro, Passos Coelho. Tal como no Egipto, o que arruína a democracia portuguesa, é a fome que afecta um elevado número de portugueses, uma vez que há 27 por cento de desempregados.

De facto, é iminente a queda também de Passos Coelho e seu governo pois, um dos seus aliados, Paulo Portas, mantém-se no Executivo porque o mesmo Passos não o deixa demitir-se. Mas já o odiado Ministro das Finanças, Victor Gaspar, já se demitiu.

À semelhança de Morsi, os portugueses acusam Passos Coelho de impor políticas económicas piores que as do seu antecessor, José Sócrates que, como sabemos, também o apearam do poder, acusando-o de implementar políticas ruins contra o povo.

Para além dos egípcios que acabam de apear Morsi que o elegeram há apenas um ano, milhões de brasileiros têm estado a acusar também a Presidente Dilma Rousself de aplicar políticas desumanas.

O mesmo sucede na Grécia, Turquia, Espanha e França e, no caso deste último país, a população contesta a presidência de François Holand, apesar de o terem elegido há menos de dois anos, porque já não queriam nada com Nicolai Sarkozy.

Na verdade, não há quase nenhum povo que esteja em paz ou num casamento harmonioso com o seu respectivo governo. É caso para se perguntar: será que houve de repente, um enlouquecimento colectivo desses povos todos, ou há um bicho venenoso, que vai envenenando os líderes políticos assim que se tornem governantes, e se tornam ruins, como os que antes estavam no seu lugar como aconteceu agora com Morsi que ficou tão mau, aliás, pior que Mubarak em apenas um ano? A resposta a esta e outras perguntas é esta que foi dada há 18 anos por Mandela e outros visionários, como o leitor verá ao longo deste artigo.

De facto, além do alerta de Mandela há pelo menos 16 anos, alguns dois conceituados economistas alemães e ao mesmo tempo jornalistas, que neste caso respondem pelos nomes de Hans-Peter Martin & Harald Schumann, anteviram também este cenário dramático que ocorre um pouco em todos os países do mundo, num livro intitulado The Global Trap – Globalization and the assault on prosperity and democracy, e que traduzido para português, significa A Armadilha Global: O assalto à prosperidade e à democracia, cuja primeira edição inglesa veio a prelo em 1997.

Aqui vou repetir o apelo que já fiz em artigos anteriores: que este livro seja outorgado retroactivamente com o Prémio Nobel de Economia, pela maneira sábia e quiçá profética, com que os seus autores anteviram o que está a acontecer agora na economia e democracia mundiais, e mesmo noutras esferas, como o meio ambiente.

Nesse livro, eles diziam que a globalização estava a causar no mundo económico ventos tão fortes e violentos, que se estavam a tornar num ciclone, e que o seu desfecho final seria tornar-se a breve trecho num verdadeiro tornado.

Hoje, a economia mundial é um verdadeiro tornado económico, que está causando uma tragédia social, ao mesmo tempo que leva muitos povos a confundí-la com a incompetência dos seus líderes como Morsi.

Na verdade, Morsi e muitos outros líderes no poder estão a ser vítimas de mazelas económicas que as causaram. No caso do Egipto, o que piorou o estado da sua economia e atirou mais um milhão para o desemprego, é que a Revolução que apeou Mubarak para fora do poder, não só inibiu novos investimentos que iriam criar mais alguns empregos, como levou os que já tinham investido a desinvestir e levar os seus dinheiros por os investir noutros países mais estáveis politicamente.

O que deu a última machada à economia do País é que mesmo os turistas sentem-se desencorajados a irem a um Egipto tumultuoso. Este espera para ver dos turistas matou a sua economia porque o Turismo é que metia muito dinheiro ao País, e era o maior empregador.

Culpar os governantes ou não entender o que estão a fazer, tem sido um dos grandes erros dos povos em toda a história da humanidade. Não é por acaso que mesmo Jesus que foi pregador das boas novas e do bem comum, foi morto. Mesmo entre nós, não entendemos Samora e a sua política humanista com que tentou nos salvar em vão da ganância dos capitalistas que hoje nos tiram tudo, até as nossas vidas. Para tanto, o Ocidente sabotou essa sua política e o diabolizou até nos convencer que ele não era bom para nós, antes de ser morto pelo apartheid que armava a Renamo que hoje é vista por alguns como seu potencial salvador.

Também castigamos Chissano quando, na verdade, tudo fazia para nos resgatar do abismo em que havíamos sido atirados por essa sabotagem, e que teve nessa guerra da Renamo o seu catalisador.

Até à hora em que deixou a presidência, Chissano era tão diabolizado no seu próprio País, num contraste tal aos aplausos que recebia lá fora, que o viam como tendo sido um bom líder para nós, e que teve o seu apogeu quando foi laureado com o Prémio Mo Ibraim, no valor de cinco milhões de dólares!

Recordo-me duma bela jovem jornalista da BBC, em Alexandria, perguntar a Chissano como era possível, que estivesse a ser tão diabolizado no seu próprio País, e ao mesmo tempo esteja a ser coroado com um prémio tão invejável, ao que ele respondeu com aquela sua calma, que não importava que houvesse quem negasse o quão ele havia feito, porque seria o mesmo que alguém dissesse a essa moça que é feia, e que isso não faria com que ela deixasse de ser bonita. ´´O que eu fiz está à vista de todos, e não é por alguém negá-lo, que deixará de ser visível´´, disse em tom brando como é tipo dele.

Hoje temos tantas saudades do Samora e das suas políticas, como já absolvemos Chissano das críticas e condenações injustas que muitos de nós o fazíamos, mas continuamos a cometer, a meu ver, o mesmo erro em relação a Guebuza. Esquecemos que é este mesmo Guebuza que durante dois longos anos negociou longe da sua família em Roma, a paz de que hoje desfrutamos, e que está sendo novamente ameaçada pela mesma Renamo com quem ele negociou com muita sapiência e rara mestria.

Já antes ele despendera 10 longos anos da sua vida e juventude, lutando contra o nosso inimigo comum, o colonialismo português.

Crucificamos Guebuza como culpado pelas nossas desgraças que, na verdade, são sequelas dos múltiplos males porque passamos e ainda estamos, como essa das aves de rapina económica, que são as multinacionais que deixam tão pouco do que tiram dos nossos países. Já Samora não se cansava em nos alertar, que se não nos precavêssemos, não tardaria muito que ficaríamos com buracos onde havia ouro.

Isto está a acontecer, porque depois da destruição do socialismo em muitos países, os capitalistas voltaram a assumir em pleno um dos seus piores métodos já diagnosticado por Karl Marx, que consiste em baixar cada vez mais os salários, para que possam maximizar os seus lucros. É isto que faz com que mesmo nos países onde se regista um elevado crescimento económico, como o nosso, os respectivos povos não se beneficiem tanto disso, porque os salários são tão baixos, o que é o mesmo que dizer que boa parte do dinheiro que advém das actividades económicas e comerciais, fica com os patrões.

O que prova isto é que os mil indivíduos que são donos ou principais accionistas das multinacionais como a petrolífera BP, detêm uma fortuna global de 32 triliões de dólares. Isto é muito grave, porque mesmo os 200 estados que perfazem o Mundo de hoje, não têm este valor, mas têm de providenciar uma série de serviços básicos aos seus povos, como a assistência sanitária, a educação, os transportes colectivos, e muitos e muitos outros.

TRAZENDO DE VOLTA O QUE EU PRÓPRIO FIZ ECO HÁ 16 ANOS

Com base no “The Global Trap” e outras obras que faziam mais ou menos a mesma profecia e demais ensinamentos, escrevi e publiquei no jornal “Notícias”, vários artigos fazendo eco à tese destes dois grandes jornalistas alemães e de outros doutos, explicando que a forma com a globalização económica estava sendo implementada, teria como consequência um maior enriquecimento de um punhado de indivíduos, em prejuízo dos seus países e respectivos povos.

O seu livro explica que isso seria inevitável devido à forma desregrada como estava sendo implementada, porque permitia aos donos das multinacionais explorar recursos nos países onde operavam, a preços irrisórios, facto exacerbado pela fuga ao fisco e pagamento de salários miseráveis.

Os autores do “Global Trap” deixaram muito claro que o empobrecimento dos governos haveria de impossibilita-los de pagar salários condignos aos seus funcionários, bem como garantir serviços para os seus povos, tais como assistência médica, educação, transporte público, entre outros.

Um estudo elaborado por uma organização-não-governamental Tax Justice Network, e conduzido por Richard Murphy, adverte que esta situação irá causar a morte de cerca de 5,6 milhões de crianças e jovens nos países em vias de desenvolvimento no período compreendido entre 2000 e 2015.

Os autores do “Global Trap” provam com factos que muito cedo os governos tornar-se-iam impopulares, porque a globalização estava sendo uma política económica que permitia a exploração das riquezas dos países quase gratuitamente, e originar a acumulação de fortunas nas mãos de um punhado indivíduos, actualmente estimado em pouco mais de mil bilionários e trilionários

A profecia daqueles dois eruditos jornalistas alemães revela uma amarga e dolorosa verdade, porque hoje a globalização resultou no empobrecimento dos Estados, e cujas consequências é o desmoronamento das próprias democracias de que eles falam no seu livro.

Esta tese já havia sido prevista, como já o disse, em 1995 por Mandela, quando disse em Oslo que uma democracia com gente faminta, não educada e sem uma assistência sanitária, é uma concha vazia

PROPRIETÁRIOS DE MIL MULTINACIONAIS DETÊM 32 TRILIÕES E SÃO MAIS RICOS QUE OS SETE BILIÕES DE SERES HUMANOS QUE HÁ NO MUNDO INTEIRO

O que está por detrás da impopularidade dos líderes políticos no poder, bem como da crescente erosão das democracias em muitos países, é o empobrecimento dos seus governos que são incapazes de garantir a prestação de serviços básicos, enquanto os donos das multinacionais continuam a acumular biliões de dólares.

Aliás, a sua fortuna combinada está avaliada em 32 triliões de dólares, uma soma que divida por 1.000 indivíduos, espelha perfeitamente que a globalização económica foi um crime económico que está a causar a morte prematura de milhões de pessoas, porque os governos não podem garantir nem mesmo assistência sanitária adequada.

Este crime económico é tão grave, porque 2/3 dos mais de sete biliões da população mundial enfrentam sérias dificuldades para terem três refeições diárias para garantir o seu bem-estar. Mais grave ainda é a existência de pelo menos um bilião de pessoas que vão mesmo à cama todos os dias, sem terem comido única refeição.

No caso de Morsi, uma das causas da sua impopularidade, foi a eliminação do subsídio ao pão, que vinha sendo suportado pelos EUA a favor do governo do seu antecessor Hosni Mubarak, e que totalizavam entre oito a dez biliões de dólares . Os EUA gastavam igualmente várias dezenas de biliões de dólares a subsidiar a importação de combustíveis, e cuja suspensão esta a impossibilitar o Egipto de importar as quantidades necessárias, o que está a dar lugar a bichas nas principais cidades como Cairo e Alexandria.

Estes dados mostram que se Morsi tivesse o seu Tesouro com dinheiro para subsidiar tanto o pão como os combustíveis, e pagar salários condignos aos seus funcionários, teria sido um bom presidente. Morsi não teria sido apeado, e a democracia egípcia estaria muito sólida e saudável.

Na verdade, a globalização não poupou nenhum país, incluindo os próprios ocidentais que foram os seus mentores e que a impuseram a outros países, como o nosso.

Recordo-me que o antigo Presidente Joaquim Chissano chegou a questionar várias vezes o mérito da globalização económica.

MESMO O OCIDENTE, INCLUINDO SEU LÍDER, OS EUA, FOI PREJUDICADO PELA GLOBALIZAÇÃO

Hoje, mesmo os governos ocidentais, incluindo o seu timoneiro-mor, os EUA, ficaram prejudicados por este sistema económico agora considerado a fase mais selvática do capitalismo.

Mesmo Barack Obama, para garantir o funcionamento das instituições do Estado, recorre a empréstimos, porque quase toda as riquezas do país, como o seu petróleo, são explorados pelos privados a preço módicos, com a agravante de usarem todo o tipo de subterfúgios para tentar fugir ao fisco.

Para o efeito, chegam a transferir as suas fábricas dos EUA para os países do mundo, tais como a China, onde pagam menos impostos, e os salários são apenas 1/5 comparativamente a aquilo que teriam de pagar nos seus países.

A fuga ao fisco é um dos problemas que impede os países em vias de desenvolvimento de sair da pobreza, porque as suas riquezas são drenadas sem nenhum benefício palpável. Para além da fuga ao fisco, as multinacionais usam outra táctica, que consiste em subdeclarar as quantidades dos recursos que exploram, como já se constatou no caso do nosso camarão.

Estima-se que a fuga ao fisco lesa aos países do mundo inteiro mais de 500 biliões de dólares por ano.

Um outro estudo compilado pela organização-não-governamental britânica Christian Aid concluiu que apenas no ano de 2008, os países em vias de desenvolvimento não amealharam 160 biliões de dólares devido á fuga ao fisco e a uma declaração reduzida ou baixa dos rendimentos das multinacionais na exploração dos recursos naturais nos países do terceiro mundo.

Mesmo os países desenvolvidos e mais organizados, como os membros da União Europeia, perderam cerca de 1,3 triliões de dólares devido a fuga ao fisco em 2012.

Mesmo os EUA, a maior potência mundial, também foram vítimas da evasão fiscal. Só em 1990, houve uma fuga ao fisco que totalizou 200 biliões de dólares.

Conclui-se que mesmo os países detentores de instituições tributárias bem estruturadas são vítimas da evasão fiscal. É esta fuga ao fisco, e declaração baixa de rendimentos que debilita os Estados e faz com que os povos europeus estejam em pé de guerra com os governos eleitos democraticamente. É esta pobreza dos Estados que faz com que não haja quase nenhum governo que seja bom, ou que que esteja na paz dos anjos com o seu povo ou eleitores. É esta pobreza dos Estados que faz com que haja cada vez mais pessoas que deixaram de ver a razão para votar, porque já se aperceberam que estão a eleger pessoas que nada farão pela melhoria das suas vidas, porque quem de facto manda e ordena são um punhado de proprietários de empresas e não mais os governantes.

Enquanto os donos das multinacionais serem os detentores dos recursos naturais, não haverá nenhum governo bom, e as democracias estarão condenadas a morrer uma atrás da outra, sendo prova disso os tais elevados e cada vez mais crescentes níveis de absentismo nas eleições locais e gerais em todos os países.

Os povos se abstêm porque como diz o antigo Secretário-geral da ONU, Boutros Ghali, não vêm razão para continuar a eleger governos que depois nada podem fazer em defesa e benefício de quem os elegeu.

É duro dizer isto, mas é imperioso que se diga, para ver se se adoptam medidas que corrijam esta matança dos povos e das próprias democracias e bons governos como é o caso dos nossos, que um atrás do outro vêm sendo vítimas de políticas erradas que lhes foram sendo impostas com a cumplicidade de alguns moçambicanos que agora se vestem de peles de cordeiro ou com nomes diferentes, para que possamos votar neles, quando na verdade continuam a ser lobos.

GM/SG

(AIM)

Sapo MZ, 7 de Junho de 2013