11 de abril de 2013

A raiva



Se nos abstrairmos das consequências das vagas de manipulação propagandística lançadas pelo governo em colaboração com o comissário europeu para os assuntos monetários e analisarmos aquilo que parece ser o actual memorando de entendimento com a troika que já não é mais do que um livro de recados da direita alemã à direita portuguesa, concluímos que há muitas mais semelhanças com o projecto de revisão constitucional de Passos Coelho do que com o memorando inicial.

Aquilo que não encontramos no projecto que Paulo Teixeira Pinto fez para Passos Coelho está nos papers do Gaspar. Passos Coelho defendia a destruição do Estado social com a redução do SNS ou do ensino público a serviços mínimos, enquanto Vítor Gaspar é defensor de um modelo económico assente na mão-de-obra barata o que vai de encontro ao modelo social imaginado por Passos Coelho. Portugal é um país pobre e a melhor forma de assegurar a sua competitividade é apostar nas vantagens comparativas resultantes da mão de obra barata e pouco qualificada.

Neste modelo o ensino de qualidade, a saúde cara e a classe média são dispensáveis pelo que custam ao Estado e pelo volume de recursos que consomem. Reduzindo o Estado ao mínimo e empobrecendo a classe média libertam-se os recursos financeiros que escassearam quando acabaram as ajudas comunitárias. Daqui resulta a necessidade de reformatar o modelo económico, não se hesitando em levar à falência todas as empresas que não se enquadrem nesta concepção, a prioridade vai para o sector exportador e para a banca, tudo o resto é dispensável.

Os funcionários públicos despedidos terão novas oportunidades no sector privado e segundo as regras de um mercado laboral liberalizado e com direitos limitados. O excesso de mão de obra será exportado através da emigração, os quadros mais qualificados são procurados pela Alemanha amiga, os outros que se desenrasquem.

Esta estratégia assentava no empobrecimento forçado dos trabalhadores e a destruição do Estado social. O empobrecimento forçado começaria por um corte de 40 a 50% do rendimento dos funcionários públicos, redução que a prazo teria consequências no sector privado. Mentia-se dizendo que os funcionários públicos eram ricos, mais tarde far-se-iam outros estudos e defender-se-ia o empobrecimento no sector privado porque aqui se ganhava mais do que no Estado.

Tudo estava a correr bem, o empobrecimento dos funcionários públicos estava em curso e os desvios premeditados nos défices orçamentais serviram de fundamento à destruição do Estado Social ou, como a redefinição das funções do Estado como designou Gaspar ou ainda a refundação do Estado na linguagem de Passos Coelho. Tudo ficou combinado na 7.ªa avaliação.

O que o Tribunal Constitucional fez não foi um gravíssimo desvio orçamental que mais não é do que o desvio médio provocado por três meses de governação de Gaspar nas Finanças. O crime do TC foi impedir o empobrecimento forçado dos trabalhadores portugueses ao reafirmar a recusa de cortes dos subsídios da Função Pública. Isto significa que apenas o projecto de revisão constitucional de Passos Coelho pode ser ensaiado, as teses económicas miseráveis e miserabilistas de Vítor Gaspar foram chumbadas por serem ilegais. Além de serem ilegais eram ilegítimas pois o povo nunca se pronunciou sobre as mesmas.

Compreende-se assim a raiva, compreende-se que o discurso de Passos Coelho não parecesse ter sido escolhido por ele, compreende-se que em vez de levar Portas a Belém o primeiro-ministro tivesse levado Gaspar. Compreende-se a raiva, mais do que um desvio colossal foram as teses dos papers de Vítor Gaspar que o TC e o país rejeitou.

O Jumento, 11 de Abril de 2013