23 de outubro de 2011

Ai, que isto dói! (Francisco Moita Flores)


Ai, que isto dói!

O anúncio das medidas no Orçamento de Estado de 2012, não são propriamente medidas económicas e financeiras. São tiros. Disparos contra todos, ou melhor dizendo, quase todos, sem olhar para os danos. Lendo aquilo que o Governo se propõe fazer, saltam-me duas perguntas: como foi possível chegar aqui sem que ninguém, durante anos, pois esta desgraça não é produto de um mês, nem de um ano, tivesse parado para pensar e evitado esta tragédia social que vai chegar? Será que depois destes dois anos de aflição, temos garantias de que tudo valeu a pena? Não acredito na resposta para a primeira pergunta de que todos vivemos acima das nossas possibilidades. Não é verdade. É uma demagogia populista que esconde quem, na verdade, viveu acima das suas possibilidades e se aproveitou dos tesouros do Estado para o arruinar e nos arruinar. Os pensionistas com reformas miseráveis não estão em condições de viver acima das suas possibilidades. Nem os desempregados. Nem aqueles que procuram o primeiro emprego. Nem cujos salários dão para pagar a casa, a escola dos filhos e comer ao longo de anos, o pão que o Diabo amassou. São milhões de pobres, num dos países mais pobres da Europa sem condições para arcar com estas culpas. Então como chegámos aqui com tanta ingenuidade colectiva? Que negócios levaram empresas públicas, no seu conjunto, a possuir dívida que é quase metade daquilo que o FMI nos emprestou? Como foi possível? A perplexidade das medidas anunciadas pelo primeiro-ministro ainda não me deixam perceber quem foi tão ligeiro e imprudente que nos meteu nesta camisa de onze varas. Fácil é dizermos que foi o governo anterior. Daí a concluirmos que são todos iguais, vai um passo e esta obscenidade é tão populista e analfabeta como sermos todos responsáveis pela imensa crise que ameaça as nossas vidas. A segunda pergunta é mais pertinente. Tem menos a ver com responsabilidade e invade o domínio da esperança. Quem nos garante que este esmagamento da vida de tanta gente, que vai ser atirada para os limites da sobrevivência, vai salvar-nos da derrocada final? Quer o Presidente da República quer o primeiro-ministro têm de dizer algo mais para que tudo isto faça sentido. E aquilo que têm a dizer é que desta tempestade vai regressar bonança às nossas vidas. Não digo fortuna. Apenas segurança para percebermos se vale a pena estar aqui.

Francisco Moita Flores
TVGUIA, Nº 1708, 17 de Outubro de 2011