27 de setembro de 2011

Fé e paixão numa nação pária (Policarpo Mapengo)


Fé e paixão numa nação pária

Policarpo Mapengo Para Adelino Timóteo

Esse interessante escritor de uma “Nação Pária”


“Se os homens são tão maus com religião, como seriam sem ela?” Benjamin Franklin

 
... agora parece que a nossa política se escondeu das referências e despiu-se da moral – ou nunca a teve, mas sempre soube fingir. Na verdade - acho que Egídio Vaz e Ericino de Salema têm uma opinião diferente – a política despiu-se de paixão e, literalmente, ela vai nua como o rei.

Vi Beira a arder!

Quando pensei em te escrever, debati-me com o que realmente percebo sobre paixão. Podia-me prender na leviandade lírica, refugiar-me em Luís de Camões e resumir-te simplesmente no “fogo que arde sem se ver”.

Acho, meu caro escritor, que o amor, por mais que em termos práticos possa ser algo complexo, em termos poéticos se desvanece e as coisas simplificam-se nessa cadência de versos desaguando nesse fogo “blá blá” de Camões.

Meu caro, não te quero cansar com estes “romantismos” próprios dos poetas. lembrei-me da tua “Nação Pária” que, curiosamente me remete ao “último voo de flamingo” de Mia Couto que como tu, acaba chamando-nos atenção para um país que desaparece.

Há semanas, assistia compulsivamente à TV e desesperava-me pelas marchas “holigans” na tua apaixonada Beira, no jogo do Ferroviário local. Sempre olhei para o futebol e a religião como os perigosos campos das paixões. Estou a falar-lhe dos espaços onde a fé é dominadora e cega à capacidade reaccionária do ser humano.
A política também é um violento campo de fé, principalmente – mais antes do que agora – por poder criar os grandes homens, aqueles que traçam o teu percurso, constroem causas e nós nos inspiramos neles. Costuma-se dizer que Nelson Mandela, pelo menos para África, é o último desses homens. Mas isso foi-nos outros tempos Adelino. Agora parece que a nossa política se escondeu das referências e despiu-se da moral – ou nunca a teve, mas sempre soube fingir. Na verdade - acho que Egídio Vaz e Ericino de Salema têm uma opinião diferente – a política despiu-se de paixão e, literalmente, ela vai nua como o rei.

Mas o futebol, apesar de se ter transformado, nos últimos anos, numa verdadeira indústria de fazer dinheiro e os seus profissionais terem rasgado o amor a camisolas para correrem atrás das libras, continua um campo de fé e paixão.

Dizem os meus colegas jornalistas desportivo que os resultados agora não são completamente verdadeiros. Na Itália provou-se isso com a despromoção das poderosas equipas como “a velha senhora” Juventus. Os adeptos incrédulos e impotentes apertavam as mãos e desesperavam por um milagre do todo o poderoso que pura e simplesmente se recusava a aparecer.

Cá, por estas nossas terras do índico, ainda não passamos das insinuações de Semedo e das cartas de Arnaldo Salvado para a procuradoria exigindo uma investigação. Mas sabemos que no futebol, muitas das vezes, os resultados são feitos fora das quatro linhas e os adeptos entregam todas as suas paixões e acreditam, cegamente, no potencial dos seus jogadores.

Quando é assim, poucas são as vezes que os culpados pelas derrotas das suas equipas são os jogadores. Estes sendo os mais glorificados nas vitórias – excepto no FC Porto onde é Pinto da Costa – na hora da derrota o culpado primário é o árbitro e depois o treinador e, por último, a direcção que não funciona.

Os manipuladores das paixões vão jogar nesse campo. As equipas são ilibadas das suas insuficiências e o espectáculo chega, violentamente, ao fim. Nunca compreendi a interrupção do jogo de Ferroviário num campo lógico. chegou-me sempre esse antagonismo de paixão e verdade.

Olha, mano, que a paixão não funciona muito com a verdade. Ou melhor, o sentimento não se enquadra no campo da lógica, de verdade, mentira ou pensamento. O sentimento funciona mais com percepções, com o que nos move, com o coração. E o futebol também se encaixa nesse campo.

Mas essa Beira das vibrações poéticas, capaz de se erguer contra a ditadura do árbitro – como acreditam os adeptos do Ferroviário – também pode entrar num campo de reinvenção política. Disseste numa entrevista a Celso Ricardo que Beira era a tua Nação. Alguns dizem que se sente ai o cheiro à revolução. Fernando Couto escreveu no seu “Fim do Império Nascimento de uma Nação” que a revolução se teria agudizado nessa cidade.

Foi Beira, meu companheiro, que mostrou que se é capaz de ser diferente, que é capaz de se pintar a história de outras cores e outras crenças. Não precisamos de seguir o mesmo caminho para sermos da mesma nação. Penso que a tua apaixonada Beira quis sempre dizer isso politicamente, como também queria ensinar a todos nós a dizer não a algumas atitudes ditatoriais dos nossos políticos, alertando-nos que realmente já não se fazem os grandes homens. Por isso que te escrevo, mano. O ardente movimento futebolístico da Beira chamou -me atenção para esse pensar no país. Se nesse campo festivo que é o desporto rei marchamos para a violência, começo a pensar que estamos mais próximo de uma “Nação Pária”.

“Pode uma terra desaparecer? Pode uma terra diluir-se em suas próprias entranhas?” – questionas na introdução do teu “Nação Pária”. Mia Couto em “Último Voo de Flamingo” acredita mesmo que a Terra desaparece!

E, nesta caminhada, com os políticos que temos, com a marcha no desporto, com fé, paixão ou ausência delas, estamos, acredita meu compadre escritor, a caminho de uma “Nação Pária”.

Porque não posso estar aqui a inventar o que já criaste, deixe-me citar parte do seu livro para me compreenderes:

“Aqueles homens bastante vividos choravam, lamentando os seus hipotéticos pertences que a Nação lhes tomou. Aqueles homens carrancudos, outrora donos da Nação, lamentavam que ninguém os socorria, enquanto os seus bens eram tomados pela Nação. Aqueles homens carrancudos, outrora donos da Nação, outrora deuses perante o povo, clamavam por seus jazigos de ouro, bronze e prata, pontas de marfim, clamavam pela madeira, vinhos e whiskys, clamavam pelos seus sumptuosos carros, pertences seus que a Nação lhes tomou. (...) E foi depois de não acharem símbolos da sua imponência que se decidiram pelo suicídio, pois doravante e para todo o sempre deixariam de ser esposos diante das suas mulheres...” (Nação Pária – Alcance Editores).

Aquele abraço, por essa Beira que a assumiste como tua Nação nesta triste terra em que os líderes ainda nos ameaçam com bazucas!

Policarpo Mapengo
O País, Sábado, 06 Agosto 2011 00:00