13 de março de 2010

MUSA - Mamana Rosa (Alex Dau)


MUSA - Mamana Rosa

— Xipamanine! — berra o cobrador, depois de descortinar um peão, na berma da estrada.

O motorista finta um buraco e pára, o tempo suficiente para o indivíduo entrar.

Pim pim, buzinam os automobilistas, para que o chapa desimpeça a rodovia. E o som das buzinas mistura-se com a música ensurdecedora que vem do “mini bus”, transformado numa autêntica discoteca móvel.

— Sai! – comanda o cobrador. O chapa roda, os passageiros transpiram, sob o calor infernal do mês de Novembro.
— Paragem! – comunica um dos passageiros.

— Vamos pagar! – ordena o cobrador.

Uma mamana corpulenta, de rosto negro, com traços de sofrimento patente nas rugas que precipitam a sua velhice, entra. Traja uma blusa esfarrapada, capulana, e um lenço a esconder-lhe os cabelos brancos que derrubam os poucos negros que teimam em ficar.

— Mamana Rosa!— reconhece o cobrador, que amiúde a transporta para o mercado do Xipamanine.

— Xipamanine! – grita, de novo, o cobrador.

Pim pim, buzina o motorista, para chamar a atenção.

— Vamos embora, estou atrasado, entro às oito horas— reclama um dos passageiros.

Dois jovens carecas, de olhar sinistro, com brincos pendurados em ambas as orelhas, entram. O chapa parte, de rompante.

Mamana Rosa leva a mão ao peito, para sentir os embrulhos, que guarda no soutien das calamidades.

Os dois jovens seguem o movimento, olhando de esguelha, depois entreolham-se tacitamente.

O chapa rola velozmente, ultrapassando todos os carros que surgem à sua frente, e, depois de mais duas paragens, alcançam a terminal do Xipamanine.

O mercado fervilhava, numa balbúrdia penosa. Vendedores e compradores misturavam-se, num espaço exíguo, onde a catinga supera o cheiro oriundo das árvores transformadas em mictórios.

Mamana Rosa espera os dois jovens desembarcarem, para, de seguida, se apear. Transpira aflita. Experimenta um temor, que a deixa insegura. O dinheiro que possui é para comprar artigos, para posteriormente os vender na sua banca. Este negócio é a única forma de subsistência, para ela e seus quatro filhos, desde que enviuvou há dois anos.

— Esta ali a gaja! – avisa o Chico ao comparsa.

— Ya, já checkei! — confirma o Maússe.

Dona Rosa já os tinha perdido de vista.

Entretanto, os gatunos emboscaram-na, num atalho, onde ela teria que passar.

Apesar de não poder enxergar os dois comparsas, Dona Rosa caminha em fila indiana, para escapar do piso enlameado do mercado.

Experimenta certo alívio, que lhe dura pouco tempo, porque o Chico o “ninja” mais musculoso já a segurou pelos braços, enquanto o Maússe passa revista ao soutien, em busca do embrulho com o dinheiro. Ela sente um calafrio, quando a mão de Maússe lhe toca o peito, que não era tocado, desde que o marido lhe morrera.

Debate-se, sem sucesso. Os malfeitores levam vantagem.

O Maússe usurpa-lhe o embrulho.

— Ladrão!— grita Mamana Rosa, com voz rouca.

O grito perdeu-se na algazarra popular, e os gatunos desaparecem no meio da multidão, numa correria desgovernada, enquanto a mamana continua derrubada no chão, chorando, sem que ninguém intervenha por ela.

Sentida, leva a mão ao peito visitado pelos larápios, e descobre o embrulho, com o dinheiro. Os gatunos levaram-lhe o talismã, em vez do dinheiro. Ela mergulha num misto de alívio e insegurança, porque perdera aquele seu amuleto, que lhe dera tanta sorte, até ao dia, em que perdera o marido, e a onda de azares se desencadeia.

Chico e Maússe sossegam no bairro, onde são conhecidos e respeitados como negociantes de sucesso. E descobrem que o produto do saque é um objecto estranho. Livram-se dele, amaldiçoando a pobre mamana Rosa.

Para compensar o desengano, planeiam um assalto de grandes dimensões, para subirem na vida, de uma vez por todas, como justifica o Chico o mais ambicioso dos gatunos, que almeja conquistar a mulata Josefina, que só dá “bola” para gajos de carro.

— Vou ter meu carro, hei-de conquistar aquela mulata, um dia será minha mulher! – Vangloria-se Chico.

Uma casa de câmbios é o alvo preferido por eles. Precisam de dinheiro, para alugar duas armas a uma polícia do bairro.

Desencadeiam operações de pequena envergadura, constituídas de assaltos a residências, para conseguirem o dinheiro de que precisam. Mas são descobertos em todas as tentativas, antes de levaram a cabo a operação. Começam a desesperar. Nos últimos tempos, todos os assaltos lhes saem gorados, por uma e outra razão.

Maússe, o mais supersticioso, desconfia do desempenho da dupla, e alerta o comparsa.

— Ultimamente já não temos sorte! – reclama o Maússe, apreensivo.

— Deixa de ser pessimista, a sorte há-de mudar! – garante o seu cúmplice.

Impossibilitados de encontrar o dinheiro, de que precisam, para alugarem as armas, decidem visitar o polícia.

— Mano, não temos taco, mas a gente paga-te o dobro depois do job! – sugere o Chico!

O polícia cai na tentação, pois está a precisar de “ mola “. O Ministério do Interior está em falta com os salários, há mais de um mês. Mas diz que só poderá alugar-lhes a ‘Walter”, porque a “AK47” irá alugar a uns “brothers”, que pagam “cash”.

Mamana Rosa prospera no seu negócio, tem uma banca melhorada, e os clientes afluem. Ela viaja para a África de Sul e Suazilândia, em busca de mercadoria, para vender na sua banca. Já não usa lenço nem capulana, agora indumenta-se com roupa importada.

Todos se admiram da mudança radical da vida da mamana Rosa. Ela mesmo espanta-se com esta melhoria, acredita até que os espíritos benignos a ajudam.

O senhor Carlos, o vizinho viúvo, já a vislumbra, emocionado, quando antes a desprezava. Até lhe propõe uma união marital. Dona Rosa ainda se lembra do seu falecido marido, e teme uma nova união.

É sexta-feira. Mendigos, depois de marcharem quilómetros, fazem filas nas lojas, para ganharem um alimento qualquer, que lhes calará a fome, por uns dias.

O céu cinzento distancia-se das iniquidades terrestres, e cobre a terra, na sua majestosa obrigação de dar tecto a todos.

A “Walter” está carregada e pronta a entrar em erupção. Passa das quatro da tarde. O movimento na casa de câmbios “ Money Express” é ameno. Os comparsas entram. Chico, precipitado, empunha a arma e ordena que lhe entreguem o dinheiro, Maússe vigia o segurança e os clientes.

Entre os clientes está um polícia à paisana, que entra em acção. Trocam tiros, num espaço exíguo. A terceira bala disparada pelo Chico atinge no ombro o polícia. Este refugia-se, por detrás do balcão, e dispara, à queima-roupa, atingindo mortalmente Chico. Maússe alarmado e intimidado tenta escapar, mas é rastreado pelo segurança. Desesperado, ainda procura recorrer à arma do companheiro, quando um tiro o atingiu no ombro.

Mamana Rosa tem urgência em adquirir rands, para viajar, segunda-feira, para o “Jon”, com o objectivo de comprar os produtos que fazem falta na sua banca.

Quando se aproxima dos arredores do “Money Express” depara com a balbúrdia. Curiosa, abre caminho, entre os mirones, e depara com os corpos estatelados no chão. Chico morto e o Maússe moribundo, gemendo, sem que ninguém o socorra. Estão todos ainda confusos.

“Bay” Sulemane, o proprietário da casa de câmbios, reaparece, com as calças manchadas de urina, a dar ordens, para que levem o polícia ao hospital, e manda amarrar Maússe.

— Ele também deve ser socorrido! – intervem mamana Rosa, que reconhece os malfeitores.

Ela sente que existe um elo estranho que a liga aos malfeitores. Não sabe se é pelo facto de lhe terem roubado o amuleto. Por sinal, desde o dia em que lho tiraram, até à data, a sua vida melhorou bastante.

O Maússe larga um sorriso moribundo para a mamana Rosa, e percebe que seus azares começaram desde o dia em que palmaram o talismã de dona Rosa.

ALEX DAU
Maputo, Quarta-Feira, 10 de Março de 2010:: Notícias