1 de fevereiro de 2010

Parque Nacional da Gorongosa: Onde Noé atracou a arca!




Parque Nacional da Gorongosa: Onde Noé atracou a arca!

Na década de 60 e 70 a Gorongosa era o Parque que mais animais albergava em toda a África daí contar-se que os turistas diziam que Noé ali havia deixado os magníficos exemplares que salvara do dilúvio, pois os entendidos afirmavam que o que se via em três dias, por exemplo no Kruger Park, na África do Sul avistava-se na Gorongosa em três horas. Infelizmente os tempos mudaram. O que não se conjecturou é que poucos anos depois teria sido benéfico Noé embarcá-los de novo e levá-los para um lugar mais seguro.




Dezasseis anos de guerra civil entre a Renamo e a Frelimo dizimaram cerca de 90% da fauna selvagem. Os animais eram mortos para alimentar soldados, população e caçadores furtivos. Este tipo de caça é outra arma mortífera que coloca em risco a magnífica fauna de qualquer Parque. Junte ao rol as queimadas descontroladas e o desbaste das árvores para cultivo de batata, milho, feijão, abóbora e mapiro na Serra da Gorongosa. Tudo junto faz com que este esteja neste momento em reestruturação.

A história já é conhecida de todos. Greg Carr, multimilionário Norte-Americano que inventou o voice mail colocou do seu bolso 40 milhões de dólares através da Carr Foundation para em 20 anos trazer vida nova aquele que foi o mais emblemático Parque de África. O seu projecto merece o nosso apoio e já se notam algumas diferenças, nomeadamente na vida animal. Mas muito há ainda a fazer. Porém, ninguém fica indiferente ao visitar este magnífico mundo de ecossistemas.




Basta iniciar o safari pela porta do campo de Chitengo e em apenas meia hora passa por uma floresta de acácias, depois mergulha num mar de palmeiras para em seguida descobrir uma ampla savana banhada pelo lago Urema – aquele que fazia a delícia de volumosas manadas de bufálos e zebras.

Neste momento ainda não se avistam neste pasto apenas os antílopes por ali saltitam contentes, assim como crocodilos e várias espécies de pássaros. São 6200 hectares de santuário de fauna bravia. É magnífico.




Uma serra que já foi sagrada, a da Gorongosa

A Serra da Gorongosa outrora sagrada acabou por ser invadida no tempo da guerra, pois as famílias necessitavam de se refugiar. Esta é fundamental para a preservação do Parque, pois alimenta cinco rios, três dos quais (Mucodza, Muera e Vanduzi) desaguam no lago Urema mesmo no coração do Parque. Os outros dois são Chitunga e Nhendar que vão até ao rio Pungué, aquele que se atravessa de canoa para visitar a população mais próxima do Parque, a de Vinho.

Atenção: aqui há crocodilos. Alguns dos locais já sofreram ataques. A sua crença é de que foi mau olhado lançado por um vizinho. Nunca culpam os jacarés pelos infortúnios que lhes acontecem. De manhã ao nascer do Sol pode ver a canoa a ser movida com uma vara pelo barqueiro até à margem possível, depois os trabalhadores de calças arregaçadas percorrem o areal onde a canoa já não passa. Às costas chegam a levar a bicicleta que os ajudará no resto do percurso. Para lá e para cá. Todos os dias este ritual se cumpre.

Voltando ao tema da Serra da Gorongosa. Neste momento assiste-se à devastação da floresta. Uma das causas é o uso dos terrenos para cultivo.





Os locais têm de desbastar, pois os terrenos dão para no mínimo dois anos, depois têm de arranjar novas terras, logo cortam as árvores. Junte a isto o facto de as águas barrentas dos cultivos poluírem os rios e as lagoas que alimentam não só as populações como a comunidade de animais.

Os prados e as florestas absorvem as águas das chuvas e durante a época seca vão libertando essa água. Outro inimigo silencioso são as queimadas descontroladas feitas para apanhar ratos ou colocar armadilhas para caçar outros animais. Só em 2008 os fiscais encontraram mais de 7000 armadilhas nas terras do Parque.

Para combater este flagelo os responsáveis pelo Parque Nacional da Gorongosa têm em marcha um projecto de reflorestação envolvendo as comunidades locais. Estão a fazer viveiros de árvores e a produzir sementes germinadas para restaurar diversas áreas deflorestadas tentando assim retomar o equilíbrio.

Você também pode ajudar vá a: www.gorongosa.net/pt/page/donate_tree/foa-umdonativo e faça o seu donativo. E claro estão a palmilhar o Parque em busca daqueles que tentam caçar ilegalmente.

Mas vale a pena visitar a Serra da Gorongosa. As suas magníficas cascatas, as grutas dos morcegos em Khodzué onde vivenciará a experiência de atravessar galerias sombrias com milhares de morcegos a sobrevoarem a sua cabeça.

Um pormenor: alguns são venenosos e podem provocar uma doença mais perigosa do que a malária. As águas são adequadas para a prática de mergulho. Convém levar uma lanterna. A Serra é lindíssima. Se tiver oportunidade de a sobrevoar de helicóptero poderá ver os recortes das suas falésias.

A mítica casa dos leões foi construída em 1940 no chamado campo velho nas planícies do Sungué. Ali era um antigo restaurante mas foi abandonado dois anos depois, uma vez que os seus responsáveis perceberam que era inapropriado para receber turistas porque na época das chuvas o lago inundava aquele espaço. Das quatro cabanas construídas em frente desta casa para dormida também já só restam ruínas. Há fotos que mostram as águas a subir quase dois metros, fazendo com que esta fique quase submersa.

Quem beneficiou deste espaço foram os felinos. O rei da selva logo se apropriou do espaço. As leoas subiam as escadas – hoje restam apenas três ou quatro degraus - para do telhado avistarem as suas presas. Parece que este ano alguns regressaram ao local mas ainda não assentaram ali a sua morada Quando Greg investiu no Parque haviam apenas 14 leões.

Agora são 40. Há uma história triste mas ao mesmo tempo que serve de lição de vida. Um dos leões foi apanhado por uma armadilha tendo perdido as unhas de uma das patas. O veterinário do Parque tratou-o, amputando-lhe as garras. Após ter sido libertado pensou-se que não resistiria por já não poder caçar. Juízo errado: o seu irmão tomou conta dele e entretanto já foi visto a namorar com uma leoa. O que prova que para ser líder é preciso mais do que ser apenas jovem e são.

Capim necessita de ser mastigado

Algumas das estradas do Parque atravessam capim bastante denso, o que dificulta avistar a fauna ali existente. Os animais de pasto caso dos búfalos, boi-cavalo e zebras ainda não correm nestes campos para os desbastarem daí o capim ter crescido imenso, produzindo fogos mais quentes e intensos. E quando uma área arde demais destrói abrigos e mata a vegetação para outras espécies. O Parque tem de lutar contra isto realizando queimadas frias, os chamados fogos prescritos em locais estratégicos para criar barreiras de incêndio. Esta é outra luta dos dirigentes da Gorongosa.

Nem só dos Big Five vivem os Parques

A maioria dos visitantes das reservas procuram os troféus dos big five: leão, leopardo, rinoceronte, búfalo e elefante mas há mais vida para se maravilhar do que avistar estas espécies. Por exemplo: o Parque Nacional da Gorongosa é um magnífico refúgio para aves aquáticas, caso de cegonhas, pelicanos, cegonhas de bico amarelo, cegonhas de bico aberto, corvos marinhos, garças reais, mergulhões serpente, Gabirus, entre outros. As palmeiras “borassus” na picada de Urema servem de casa a mais de 100 ninhos de pelicanos. E as aves são maravilhosas. Lindas. Quando levantam voo inundam o ar de cor e são elegantes caminhando sobre os nenúfares ou folhas à procura de alimento. Vale a pena perder um tempinho a observá-las.

Texto: Teresa Cotrim

Fotos: Teresa Cotrim e Parque Nacional da Gorongosa