17 de abril de 2009

O crocodilo que morreu atropelado (Luísa Menezes)


O crocodilo que morreu atropelado (Luísa Menezes) Com a devida permissão do ouvinte, tomo a liberdade de usurpar hoje o lugar de dois colegas meus, nomeadamente o Sauzande Jeque – habitual ao microfone neste dia e a esta hora – e o Arune valy, ultimamente especialista na matéria que pretendo abordar, muito embora eu reivindique a estreia nesta matéria. A verdade é que, tendo chegado à cidade de Tete primeiro que ambos, primeiro também tomei conhecimento da morte do crocodilo atropelado, uma história que, juram a pés juntos os residentes da zona, aconteceu de verdade, e eu não resisto à tentação de contá-la. Se há uns anos os jacarés da zona se divertiam a roubar roupas, xiricos e bebés de mães que lavavam e se lavavam no Zambeze, sempre nas margens do grande rio, hoje, em época de globalização e novas tecnologias, e com a capital da província a celebrar 50 anos, eles já evoluíram e não se contentam com a área que lhes está destinada. É que graças às cheias, que inúmeras vezes obrigaram os nossos rios a galgar as margens e arredores, os nossos crocodilos já por diversas viajaram por outras paragens e, quem sabe até, jamais regressaram às suas zonas de origem. Este, cuja estória rapidamente se espalhou pela cidade, foi parar, sabe-se lá como, ao Rovúbwè, rio que separa os Municípios de Tete e Moatize. O jacaré era visto a tomar os seus agradáveis banhos de sol num dos muitos ilhéus do pós-cheias. Ninguém sabe dizer se era o mesmo de todos os dias, mas tudo leva a crer que se não era o mesmo crocodilo pelo menos a eleição daquele ilhéu, o mesmo todos os dias em detrimento dos restantes, havia sido um processo deveras democrático. Mas o crocodilo da nossa estória era bem mais ousado do que isso. Decerto se havia habituado a viajar País afora e, dada a actual crise, terá decidido exibir a sua classe pelas redondezas. Só que para tal tinha que atravessar a estrada Nacional. Quem conhece Tete ou Moatize sabe que esta via é bastante movimentada, tanto de dia como de noite, pois faz parte do corredor do Zimbabwé, Malawi, Zâmbia dentro do território moçambicano. Uns dizem que ele saía do rio Rovúbwè em direcção à povoação vizinha. Mas outros, os que provavelmente terão presenciado a cena, juram a pés juntos que ele vinha da povoação para o rio, se calhar regressado de uma agradável e interminável noitada, dado o adiantado da madrugada. Um camião de grande tonelagem, que por essa altura se fazia à estrada, colheu o incauto jacaré em plena travessia, atropelando-o mortalmente e deixando-o estirado e liso, como que passado a ferro. Esta é a primeira metade da estória. A segunda parte manda dizer que a dona do jacaré terá perecido entre 24 a 48 horas após a primeira fatalidade. Causa da morte: dores horríveis, sem localização certa, um pouco por todo o corpo, como as eventualmente sentidas pelo majestoso rei dos rios ao ser atropelado e uma boa parte das costelas esmagadas e/ou quebradas. E aqui sou obrigada a explicar a quem não sabe que, como reza a tradição, os naturais de Tete, e sobretudo das margens do Zambeze, têm um jacaré como seu representante. Contam os sabedores que tudo o que por ventura aconteça com o jacaré está de alguma maneira ligado ao futuro do seu dito dono. Essa é a provável razão da morte da senhora. Resta-nos desejar e rogar aos espíritos, apresentando a invocação destes 50 anos da cidade, que a nossa sorte possa ser diferente, com a oportunidade de uma despedida mais prolongada e um fim mais suave. Voltei hoje às estórias que assinei aqui no Emissor Provincial de Tete há cerca de 30 anos porque esta me pareceu digna de menção. Com a devida vénia aos meus colegas e amigos Sauzande Jeque e Arune Valy, e os meus Parabéns a Tete que faz anos amanhã – Bom dia.
Esta crónica foi-nos gentilmente cedida pela autora, locutora da Rádio Moçambique (RM). Maputo, Quarta-Feira, 15 de Abril de 2009:: Notícias