2 de outubro de 2008

História do Palácio da Ponta Vermelha (Maputo)

HISTÓRIA DO PALÁCIO DA PONTA VERMELHA A designação da Ponta Vermelha ao promontório de cor avermelhada, 63 metros acima do nível médio das águas do mar, onde desaguam os rios Tembe, Umbeluzi, Matola e Maputo para formarem a imensa Baía de Maputo, deve ser reminiscência remota do período da ocupação holandesa (1720-1730). Com efeito, sob a designação de «Roode Hoek», ela aparece pela primeira vez na célebre carta da Baía de Lourenço Marques levantada em 1726 pelo engenheiro holandês Konick. Mais tarde a designação aparece repetida pelos ingleses que a traduzem para «Reuben Point», daí, talvez, o vir a chamar-se Ponta Vermelha pelos cartógrafos portugueses como tradução da expressão inglesa, originária por sua vez da designação holandesa. É porém curioso notar que na carta da Baía de Lourenço Marques, datada de 1872 submetida ao julgamento arbitral de Mac-Mahon, ela aparece indicada sob duas designações: «Ponta alta de Mafumo» e «Ponta Vermelha». Ainda hoje, quem contornar observando com atenção os penhascos salientes que do alto da reentrância parece ameaçarem a estrada marginal, notará a razão de ser da designação que conserva. A Ponta Vermelha constituía, ainda na última década do século XIX, uma vila à parte de Lourenço Marques. Foi integrada na cidade e entregue à Câmara Municipal em 27 de Agosto de 1896, por decreto provincial do Comissário Régio António Enes. Presume-se que os primeiros edifícios que se situavam onde hoje se encontra o Palácio da Ponta Vermelha tenham sido erguidos por volta de 1883-1884 por uma concessionária norte-americana designada Mac Murdo, que estava envolvida nas obras de construção da linha dos Caminhos de Ferro Lourenço Marques–Transvaal. Num contrato rubricado a 14 de Dezembro de 1883 com o Governo português, a concessionária obrigava-se a construir, para além da linha férrea, todas as dependências necessárias para residência do pessoal e armazenamento de material. Daí terá resultado a construção de alguns barracões na zona da Ponta Vermelha. O Palácio começou por ser um pavilhão de madeira e ferro. Era uma construção sem carácter de longa duração, portanto estaria lá enquanto durassem os trabalhos da construção da linha férrea. A 25 de Junho de 1889, por quebra de contrato e desobediência à autoridade portuguesa por parte da concessionária, o Governo colonial determinou a apreensão da linha do caminho de ferro, incluindo as dependências de qualquer natureza que pertencessem à Mac Murdo. O pavilhão de madeira e ferro passou à posse do Estado, o seu primeiro ocupante famoso foi o Comissário Régio António Enes, quando chegou a Lourenço Marques, em Janeiro de 1895. "À noite" - escreveu ele – "fui instalar-me na pequena casa da Ponta Vermelha, antiga propriedade da empresa concessionária do caminho de ferro, em que os Governadores do distrito já haviam estabelecido residência, e que eu ia promover a Paço do Governo e quartel-general, embora a sua modéstia arquitectónica lhe proibisse prosápias, e a sua varanda alpendrada, sobranceira à vastidão da baía e toda afestoada de trepadeiras floridas, lhe desse ares de moradia romântica de alguma Julieta". A partir dessa data, mas sem carácter permanente, os Governadores do Distrito de Lourenço Marques passaram a estabelecer-se na Residência da Ponta Vermelha, uma vez que a sua residência oficial tinha deficiências na sua construção.Em 1891, para além das habitações já construídas na Ponta Vermelha, é iniciada a instalação de quartéis militares. É ainda com António Enes que em 1895, Ponta Vermelha passa a ser a residência oficial do Governador Geral, que até aí tinha o seu palácio na Ilha de Moçambique, capital da colónia. Essa mudança esteve intimamente relacionada com as campanhas de ocupação no sul, nomeadamente contra Ngungunhana. Outro hóspede que a Residência da Ponta Vermelha teve foi de Mouzinho de Albuquerque, que sucedeu a António Enes como Comissário Régio, em 1896. Quando ali se instalou com sua esposa, D. Maria José Gaivão, tudo continuava faltando, quer em mobiliário quer em conforto. Foi então que sobre os ombros da senhora D. Maria José caiu a tremenda responsabilidade de preparar decentemente a Residência para receber o almirante inglês Rawson, que, com a sua esquadra estacionada no Cabo, visitaria oficialmente Lourenço Marques em 1897. A visita do almirante Rawson, numa altura em que os ingleses ainda pensavam em «comprar» ao Governo Português a cidade e o porto de Lourenço Marques, parece que tinha outros fins que não de simples cortesia. O autor Montague George Jessett, escreve no seu livro «The Key to South África: Delagoa Bay», que «foi verdadeiramente a visita do esquadrão britânico a Delagoa Bay, em 1897, que atraiu pela primeira vez as atenções do Mundo para este "maravilhoso porto". Cerca de 1905-1906, sob a direcção técnica do empreiteiro italiano Francesco Masci fizeram-se as primeiras obras mais importantes de que urgentemente carecia a Residência, para sua ampliação e modificação. Masci pôs na execução do trabalho que lhe foi confiado, toda a sua boa vontade e entusiasmo, resultando aquilo que um jornal da época chamou, depois, de «uma verdadeira obra-prima». O italiano que fora empreiteiro também da construção do edifício dos Correios de Moçambique, na hoje Av. 25 de Setembro, retirou-se para a Itália em Outubro de 1906. Devido às modificações introduzidas por Masci, Ponta Vermelha ficou em condições de receber os Príncipes de Connaught, em 1906. Foi essa a primeira vez nos anais da história, que a cidade que Lourenço Marques recebeu uma visita régia, pois o Duque era membro da Casa Real Inglesa. Os Connaughts e a filha, Princesa Vitória Patrícia (que chegou a ser indigitada para noiva do Rei D. Manuel II), chegaram a Lourenço Marques em visita oficial em fins de Fevereiro de 1906 e ficaram instalados na Residência da Ponta Vermelha, posta à sua disposição pelo Governador-Geral João de Azevedo Coutinho. Em 1 de Março de 1906, pelas 15.30 horas da tarde realizou-se na Residência, em honra do Duque, que era Inspector-Geral dos Exércitos da Grã-Bretanha e irmão do Rei Eduardo VII, sua esposa e filha, uma recepção oficial que ficou memorável, pois decorreu com o maior brilhantismo possível. O primeiro príncipe português que habitou a Residência foi D. Luís Filipe, Duque de Bragança, que seria o futuro Rei de Portugal se não tivesse sido assassinado em Lisboa, a 1 de Fevereiro de 1908. Chegou a Lourenço Marques a 29 de Julho de 1907, a bordo do paquete «África». À chegada à Residência, D. Luís Filipe dirigiu-se para os seus aposentos particulares, que tinham sido preparados no andar superior do Palácio do Governador-Geral. Após pequena demora, desceu para o salão principal, onde se efectuou a recepção. Era Governador-Geral o conselheiro Freire de Andrade. Ao Governador-Geral, Dr. Alfredo de Magalhães (1911-1912) se ficou devendo a ampliação mais importante do Palácio da Ponta Vermelha. Primitivamente, só a parte central do edifício tinha primeiro andar, servindo pela escada interior. Ali se reunia o Conselho Legislativo. Verificada a necessidade de novas instalações pelo desenvolvimento de todos os serviços públicos, surgiu a conveniência imperiosa de o ampliar, elevando os corpos laterais. Desta forma, o edifício se tornou mais amplo, pois além da Sala do Conselho do Governo ficou com mais duas grandes salas, sendo uma destinada à biblioteca e outra à reunião de vários conselhos e comissões, como era objectivo do Dr. Alfredo de Magalhães. Ponta Vermelha voltou a conhecer obras de reabilitação em Fevereiro de 1939 e foi preparada convenientemente para a visita do Presidente Óscar Carmona, primeiro Chefe do Estado que a habitou. Por essa ocasião, ampliou-se a Sala da Índia, cuja área foi duplicada. Essa sala evocava, pela designação que lhe fora atribuída, o período áureo da gesta da expansão ultramarina e as afinidades que ligaram Moçambique aos Vice-Reis e ao Governo de Gôa, sob cuja administração esteve a província até Abril de 1752, tendo-se desligado dessa administração durante o vice-reinado de Marquês de Távora. Em 1956, a Residência beneficiou de outros melhoramentos e principalmente da construção do vasto salão preparado para a visita oficial do Chefe do Estado, Marechal Craveiro Lopes. Por essa altura o mestre Frederico Ayres executou um gigantesco painel que decora o salão e foi colocado em ambiente próprio, no Jardim, o conjunto alegórico em bronze, representando a famosa carga de cavalaria de Macontene, conduzida por Mouzinho, em 1897. Ao longo dos anos, Ponta Vermelha foi sofrendo várias obras de beneficiações, mas sempre mantendo o seu traçado primitivo que o confere uma certa beleza e estética. Com a conquista da Independência Nacional, em Junho de 1975, o Palácio da Ponta Vermelha foi declarado residência oficial do Presidente da República.